sábado, 19 de março de 2011

EÇA, VICTOR HUGO E AS PEÚGAS DE NAPOLEÃO

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Victor Hugo publicou este mês mais um volume – Toute la Lyre. Como o Cid, que ainda vencia batalhas depois de morto, Hugo cada ano atira de dentro do seu sepulcro um radiante e vitorioso poema. A propósito deste, de novo se discutiu se estas publicações póstumas de versos, que ele em vida atirava para o canto, aumentam realmente a glória poética de Hugo. Discussão ociosa. Decerto não aumentam a sua glória. Essa já está estabelecida e fixa no seu máximo esplendor, com as Contemplations, a Légende des Siècles e os Châtiments. Mas aumentam o nosso conhecimento do poeta, revelando novos pensamentos, novas emoções ou formas diferentes no exprimir as emoções e os pensamentos que lhe eram habituais. Victor Hugo era um grande espírito que sentia e pensava em verso. Cada verso novo que nos é desvendado constitui pois um documento novo sobre o poeta – sobre a sua visão espiritual ou sobre o seu verbo lírico. Ora quantos mais documentos se reúnem sobre um homem de génio como Hugo, mais completo se toma o trabalho crítico sobre a sua individualidade e sobre a sua obra. Para alargar e completar o conhecimento dos grandes homens, publicam-se-lhe as cartas, todos os papéis íntimos – até as contas do alfaiate. Assim se tem feito para Lamartine, para Balzac, etc.
Ainda há pouco foi estabelecido, e provado com documentos, o número de pares de meias de seda que Napoleão usava cada ano. Eram trezentos e sessenta e cinco. Ninguém se queixa. Foi um detalhe histórico, geralmente apreciado. Ora se, para proveito da história, se põem assim à mostra as peúgas de um grande homem de guerra, que tem iguais – é bem justificado que se publiquem os versos, todos os versos, ainda os menos interessantes, de um poeta que, sem contestação, é o maior de todos, em todos os séculos.

Eça de Queirós in “Ecos de Paris”
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