terça-feira, 26 de abril de 2011

LATINO COELHO

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Latino Coelho apenas saía de casa durante o dia para ir dar aula á Escola Politécnica — sempre acompanhado pelo irmão, porque a sua neurastenia lhe não permitia andar só. Numa carta a Teixeira de Vasconcelos, publicada na Revista Contemporânea, ele mesmo confessa ser «uma organização excentricamente nervosa»; depois fala de outros casos da sua vida, como dizer el-rei D. Fernando que ele só fazia flores e alguém, creio que fora Carlos Bento, tê-lo definido um estilo, a procura de uma ideia. Também Bonaparte chamou a madame De Staêl une fraseuse e esta odiosa opinião em nada a prejudicou perante a posteridade.
Latino era sem dúvida um estilo, um belo e soberbo estilo, onde as flores não faltavam, como no manuelino; mas dentro desse opulento estilo, que profundeza de conceitos, que vasta erudição, que saber fortemente cimentado em conhecimentos científicos e adquirido nas muitas línguas que Latino versava facilmente! Neste homem ilustre o conversador, ou o orador académico e parlamentar, não ficava jamais desnivelado com o plumitivo.
Ele dizia coisas lindas e sábias com a sua vozinha de velha rabugenta, num gesto frequente de compor o cabelo e o colarinho. Era um prazer, uma delícia ouvi-lo — e aprendia-se sempre lendo-o ou escutando-o.
À noite, Latino saía de carruagem com as irmãs e o irmão. Os dois apeavam-se á porta da livraria Silva, e as senhoras ficavam dentro do trem, onde esperavam às vezes longas horas. Porque em estando a conversar naquela livraria ou em qualquer outro lugar em que se lhe deparassem amigos, Latino distraía-se, animava-se, esquecia-se de si próprio, dos seus nervos doentes, e não dava tento das horas que iam passando.
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Alberto Pimentel in “Memórias do Tempo de Camilo”
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