Reflectir sobre o nada é um exercício fascinante para a
mente humana, quiçá um dos mais fascinantes. O nada, por exemplo, já existia
antes do nada, embora tal seja impossível porque o nada não existe—nem agora,
nem antes. E, embora façamos considerações sobre ele, tal não é permitido pelo
rigor do pensamento pois este não pode considerar o que não é.
Diz-se que o nada se concebeu a si próprio—causa sui—mas
a concepção consiste em génese de algo e nada não é algo, nem sequer a ausência
de tudo. Esta será o vácuo absoluto, incluindo ausência de espaço, tempo, massa, energia, é
verdade. Mas nada não é vácuo absoluto, pois a sê-lo, seria qualquer coisa e,
por definição, nada não é coisa, seja ela qual for, mesmo o vácuo absoluto.
O nada é a mais terrível ameaça à consciência no post
mortem—talvez a concretização do conceito de Inferno. Unamuno, já aqui citado
em tempos, dizia que o nada depois da morte o atemorizava mais que a descrição da
eternidade do fogo no Inferno ouvida na infância. É muito difícil aceitar o
eclipse da consciência com a desmontagem da organização molecular biológica.
Começámos a ser formados nas primeiras fusões de
hidrogénio em hélio depois do Big-Bang, continuando com fusões nucleares sucessivas
nos núcleos das estrelas e formação progressiva de átomos mais pesados,
passando pela organização de moléculas complicadas deles resultantes, organizadas em
corpos capazes de se multiplicar—a que chamamos vida—e, depois de
extraordinária evolução, um tipo desses corpos adquiriu consciência: fomos nós;
o único ser vivo que conhece antecipadamente a morte mas não aceita voltar à forma de amontoado
de moléculas desorganizadas sem consciência, ou seja o regresso da consciência ao
nada. É essa a legítima fonte da religião: o inconformismo com a perspectiva do regresso
ao nada.
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