Não há dia em que não se ouça falar—de manhã, à tarde e à noite—dos valores de Abril. E muito bem, como diria o Dr. Soares. Só que ninguém explica o que é essa coisa dos valores de Abril; ou se explica, explica mal, porque há várias teorias.
Depois de fazer a revisão cuidada da matéria, fiquei com
dúvidas ainda assim. Eram os valores de Abril o programa do Partido Comunista,
que esteve quase a montar o cavalo do poder? A montar o cavalo do poder? Que
digo eu? Que montou o cavalo do poder e foi depois apeado no 25 de Novembro. A
ser assim, os valores de Abril foram atraiçoados, sim senhora e senhor.
Ou eram os valores de Abril as prisões arbitrárias feitas
por populares de extremíssima esquerda apoiados por militares do MFA, verbi gratia Otelo Saraiva de Carvalho,
comandante do COPCON? Ou as ocupações selvagens de propriedade privada, feitas por
populares de extremíssima esquerda apoiados rebabá? Ou os saneamentos "à Saramago",
nos jornais, nos hospitais, nos quarteis e em todo o lado onde havia
"fassistas"? Ou rebabá? A ser assim, os valores de Abril foram
atraiçoados, sim senhora e senhor.
Ou eram as gestões ruinosas de sucessivos governos constitucionais
que, de tombo em tombo, com três declarações de falência em menos de 40 anos (duas
pela mão do Dr. Soares), nos meteram neste fundo de saco em que estamos? Se
eram, então a corrida em pêlo do Zezito foi uma traição aos valores de Abril,
sim senhora e senhor.
Ou eram uma Justiça de carregar pela boca que deixava fugir
os grandes corruptos e punia quem fazia a rifa de um bacalhau, com bilhetes a um euro, para
angariar fundos para a festa da santa, devoção da terra? Se eram, então os
valores de Abril não estão atraiçoados porque a Justiça continua exactamente
nessa situação, imaculadamente igual e rasca.
O Dr. Soares se me conhecesse—felizmente, não conhece—, diria
que também sou fascista; na melhor das hipóteses neo-liberal, defensor do
capital usurário, ou coisa ainda pior: advogado da austeridade—que mata, como
disse muito bem o Papa Francisco, acrescentaria. Não fosse esse o caso, e
tivesse eu acesso ao pensamento mais profundo do Senador candidato ao Panteão Nacional,
tomaria a liberdade de lhe pedir para me explicar melhor o que é essa coisa dos
valores de Abril. Assim de repente, só me ocorrem os almoços de cozido à portuguesa
comidos pelo coronel Vasco Lourenço no restaurante da Associação 25 de Abril,
mas esses não estão em falta. Nesse aspecto, nem percebo porque o coronel se
queixa—tenho a certeza que não os comia no 25 de Abril de 1974 e agora come. Nota-se nas bochecha e não só.
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