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Já vós ouvistes bem quanto os reis antigos fizeram por encurtar nas despesas suas e do reino, pondo ordenações em si e nos seus, por terem tesouros e serem abastados. Porque sendo o povo rico, diziam eles que o rei era rico, e o rei que tesouro tinha, sempre era prestes para defender seu reino e fazer guerra quando lhe cumprisse, sem agravo e dano de seu povo, dizendo que nenhum era tão seguro de paz que pudesse carecer de fortuna não esperada.
E para encaminharem de fazer tesouro, tinham todos esta maneira: em cada um ano eram os reis certificados, pelos vedores de sua fazenda, das despesas todas que feitas haviam, assim em embaixadas como em todas as outras coisas, que lhe
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El-rei Dom Pedro, como reinou, pareceu a alguns que não tinha sentido de ordenar que acrescentassem no tesouro, que os antigos com grande cuidado começaram de guardar. E vendo isto um seu privado, que chamavam João Esteves, houve-o por grande mal, e propôs de lh'o dizer, e falando el-rei com ele uma vez, em coisas de sabor, disse ele a el-rei em esta guisa: Senhor, a mim parece, se vossa mercê fosse, que seria bem de proverdes vossa fazenda, e ver o que se dispender pode, e, do que sobejar, encaminhardes como acrescenteis alguma cousa nos tesouros que vos ficaram de vosso padre e de vossos avós, para fazerdes o que os outros reis
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A estas e outras razões respondeu el-rei que dizia bem, e que lhe pusesse em escrito quanto era o que renderiam seus direitos, e a despesa que se d'elo fazia. [...]
E ordenou logo, como se pusesse cada ano, em oiro, e prata, e moedas, tudo o que sobejasse de suas rendas, nos lugares acostumados onde os reis punham seu haver; porém que dizia el-rei que não fazia pouco quem guardava o tesouro que lhe ficava de outrem e se mantinha nos direitos que havia de seu reino, sem fazendo agravo ao povo, nem lhe tomando do seu nenhuma coisa. [...]
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Fernão Lopes in “Crónica d’El Rei D. Pedro”
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(A figura à direita é de Fernão Lopes)
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