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Por isso o casamento de D. João I era para o Porto uma festa. Ao repicar dos sinos da Sé, perdendo-se nas quebradas dos montes, negros de arvoredo, correspondia para além, distantemente, o sino alegre de Cedofeita: dir-se-iam as campaínhas das ovelhas, conduzidas em rebanho pelo báculo do seu santo pastor Martinho.. . Toda a noite fora de festa: danças e trebelhos, jogos e matinadas. O bom povo do Porto, na sua cidade triste, quebrava a monotonia
dura da vida nesse instante de folgança-, e o tom pardo do granito, pardo como o ar nevoento e húmido, dissipara-se de manhã quando a cidade acordou semeada de murta e rosmaninho, com as casas armadas como capelas. O próprio sol quis ser da festa, penetrando nas ruas lôbregas, e pondo por excepção nas faces dos burgueses uma centelha de vivacidade luminosa.
El-rei chegara de noite, na véspera, com o Condestável, que vinha assomado e colérico. Mais velho que o Rei, a quem fizera, não se limitava a aconselhá-lo: repreendia-o. Por vezes, vendo-se contrariado, tomava-o tal fúria que tremia a ponto de vacilar sobre os joelhos.
Hospedaram-se em S. Francisco, no burgo; e logo de madrugada foram ao paço do bispo D. Rodrigo comprimentar a rainha. Preparou-se o cortejo. O pequeno espaço que vai desde o paço até à Sé estava coalhado de povo em gala. Uma orquestra de trombetas e flautas tocava. Montaram, a par, o rei e a rainha, em dois cavalos brancos cobertos de xairéis recamados de oiro, e, coroados, foram seguindo a procissão, sorrindo amoravelmente para o povo que os aclamava.
O arcebispo de Braga, paramentado, levava pela rédea o cavalo da rainha, atrás da qual iam as suas donas fidalgas a pé. Ao lado do Rei ia o Condestável. À porta da Sé, numa nuvem de incenso e numa corte de prelados, o bispo D. Rodrigo, de mitra, báculo e vestes de oiro pontificais, esperava os noivos. Entraram, casou-os, e houve missa.
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Oliveira Martins in “Os Filhos de D. João I”
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quarta-feira, 15 de setembro de 2010
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