segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O LIVRO MALDITO

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[...] Valerá talvez a pena analisar aqui, tanto quanto é possível a mais de vinte anos de distância, se a ideia da inclusão do Dr. Alvaro Cunhal no I Governo Provisório parte realmente do general [Spínola], como ele próprio admitiria em entrevista de fim de carreira (e já admirador do Dr. Mário Soares), em 1984, ao historiador e jornalista José Freire Antunes, ou se ela parte do primeiro encontro com Mário Soares. Ora, dados os sentimentos anticomunistas do general Spínola, dada a sua amplamente demonstrada ignorância política e o facto de se saber que Mário Soares teria dito ao general que se Cunhal não entrasse ele também não entrava para o Governo, parece evidente que a decisão foi influenciada decisivamente pelos socialistas. Aliás, Soares diria a Dominique Pouchin de forma peremptória que Spínola não era então favorável «à presença dos comunistas no governo». Também me parece duvidoso, e nenhum registo existe que o confirme, que tenha sido o próprio secretário-geral do PCP a reivindicar tal lugar! O que implica que estando à partida excluída a hipótese de terem sido os comunistas a insistir na sua participação — e não devemos esquecer que o PCP em Abril de 1974 ficaria satisfeito com a sua mera legalização — estamos perante a probabilidade de ter sido o próprio Mário Soares, na sua primeira entrevista com Spínola, graças ao apoio de Raul Rego, quem lançou Cunhal para o I Governo, a fim de ele próprio se tornar indispensável na pasta dos Negócios Estrangeiros!

0 ex-embaixador de Portugal em Washington, João Hall Themido, confirma que Mário Soares «não inspirava confiança» ao general Spínola, que terá simplesmente comentado que Soares não era «um génio» mas daria «um ministro aceitável». «Sá Carneiro estava no Governo, como ministro sem Pasta, para acompanhar de perto os problemas da política externa» necessitando o general apenas de alguém para abrir «as portas» do reconhecimento à Revolução, convencido das «ligações europeias do líder do PS». Do ponto de vista do Partido Socialista — tanto quanto me seria dado a conhecer posteriormente — não havia nenhuma vantagem em que a pasta dos Negócios Estrangeiros fosse ocupada por Mário Soares, havendo outros dirigentes, como por exemplo Ramos da Costa, que não tendo que se ocupar com a organização do Partido, era quem melhores relações internacionais detinha no PS de então, além de dominar razoavelmente o idioma inglês! Não seria essa, evidentemente, a opinião do próprio Mário Soares, que considerava que «ninguém mais do que ele tinha então a possibilidade de conquistar rapidamente a simpatia da Europa e do Mundo para uma revolução tão repentina, que inquietava o estrangeiro». Contudo só Mário Soares teria essa opinião, com a falta de modéstia que todos lhe conhecem. O mundo inteiro recebera o anúncio do 25 de Abril com grande regozijo e quem dava garantias e tranquilizava os governos aliados de Portugal na NATO era exactamente o general Spínola e não o socialista Mário Soares, co-signatário de um «inquietante» acordo de governo com o Partido Comunista. [...]
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Rui Mateus in "Contos Proibidos. Memórias de um PS Desconhecido" (Pag. 53-54)
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