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Pedindo desculpa por participar nesta discórdia entre gente tão ilustre, acho que todas as famílias felizes são diferentes e todas as famílias infelizes são também diferentes. É inegável que, individualmente, há maneiras diferentes de ser feliz ou infeliz. É dos livros porque, se ninguém é igual a ninguém, porque o seria na felicidade ou na infelicidade? E a qualidade daquela, ou desta, mesmo não sendo um simples somatório de estados de espírito individuais na família, também não pode ser a mesma. Como aceitar que a interacção de personalidades diferentes conduza sempre a um resultado padrão?
É complicado fazer jogos com palavras, especialmente quando exprimem sentimentos. Tolstoi sabia-o e Nabokov também. Mas a arte literária sacrifica o rigor, em nome do ritmo da
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Tomemos um exemplo. Vejamos a seguinte frase de James O’Donnell: Afinal de contas, começámos nas savanas de África, a tentar correr suficientemente depressa para apanhar as coisas que podíamos comer e fugir das que nos podiam comer. A frase tem ritmo, embora prejudicada pela tradução; fala de uma situação imprevista, porque esquecida, da vida passada do homem; é original, ao contemplar simultaneamente a qualidade humana de predador e vítima da predação; e produz impacto no leitor do Século XXI, ao ser confrontado com a
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Mas não é verdadeira. Não começámos assim, porque outros estados da evolução já tinham ocorrido antes; na fase africana do desenvolvimento da humanidade, os hominídeos pouco corriam, se é que o faziam; ainda fugiam dos predadores trepando às árvores; e a sua alimentação não fugia a correr, seguramente, porque era predominantemente vegetal.
Ninguém espera que uma pintura seja a reprodução fiel do que quer que seja, excepto os admiradores do realismo (que estão no seu direito). O escritor também não está obrigado a ser correcto em matéria científica, psicológica, ou sociológica. Pelo menos não devemos tomá-lo como tal, por maior respeito que nos mereça a sua obra. Aprecie-se a prosa, o enredo, a caracterização das personagens, que em inglês até se chamam characters, a eventual mensagem contida no texto, e pouco mais. Afinal, há familias felizes e infelizes e são todas diferentes.
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