Num belo mês de um Ano da Graça do Século passado, o
funcionário que processava os vencimentos no Hospital de Santa Maria enganou-se
com o meu NIB e eu fiquei a ver navios. Só depois de apuradas investigações se
percebeu que o ordenado tinha ido parar à conta de um feliz contemplado, em Trás-os-Montes,
com o NIB quase igual ao meu. Serve isto para documentar—embora em escala
milimétrica—o dito de que o computador é o aparelho capaz de cometer o maior erro do universo na mais pequena
fracção temporal do cosmos. A informática é muito boa, mas às vezes asneia.
O ideal seria o homem ter cabeça para a dispensar. Mas,
infelizmente ou felizmente, construímos um mundo tão complicado que não temos
cabeça para o gerir sem computadores. Por exemplo, apesar da vastidão do espaço
aéreo, há alguma probabilidade de dois aviões chocarem em voo. Para evitar catástrofes
foi criado um sistema chamado TCAS (Traffic
Alert and Collision Avoidance System) para evitar que os pilotos cometam
erros, através de regras que devem observar e procedimentos a executar em caso
de risco. Só que, ao longo de décadas de aperfeiçoamento do sistema, este
tornou-se tão complexo que apenas alguns indivíduos ainda vivos o compreendem
na totalidade. A dependência da informática tornou-se inevitável.
O que se diz da segurança aérea aplica-se a cada vez mais
coisas na vida actual. Começou talvez com os comboios e agora usa-se no
controlo do trânsito em muitas cidades, na navegação marítima e terrestre, na
condução de máquinas da indústria, na fiscalização da assiduidade dos
trabalhadores, na cobrança de bilhetes nos transportes, no pagamento do estacionamento
automóvel em parques, no pagamento de quase tudo e rebabá.
Não há nada a dizer sobre tais vantagens—são o suprassumo
da tecnologia e da civilização. Mas uma pergunta se pode fazer. Não é deprimente vivermos num mundo onde não sabemos muito bem
como funciona quase tudo? O homem está cada vez mais longe de perceber aquilo
que utiliza. Apanha um avião para viajar milhares de quilómetros e põe a vida nas
mãos de uma cangalhada que não sabe como funciona, conduzida por pessoas dependentes
de outras cangalhadas cujas vísceras também elas não conhecem muito bem. É
complicado. Demasiado diferente da carroça tirada por uma muar.
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