Já em tempos escrevi que o progresso científico—especialmente,
mas não só—se faz aos solavancos; talvez melhor dito, em escada. Há períodos com
enormes avanços, como aconteceu com o uso do vapor, e outros em que se vive da
exploração desses avanços, sem que realmente se descubram coisas novas com
dimensão para virar páginas na evolução social. Em boa verdade, o
fenómeno parece útil pois permite o aproveitamento prático até à exaustão dos
fenómenos a que chamarei de "eureca!", sem que sejam relegados para o
esquecimento com grandes descobertas contínuas. Há um tempo para deglutir
e um tempo para digerir. Fleming descobriu a penicilina—o sobressalto—e depois
vieram todos os outros antibióticos. Os exemplos são à dezenas, se não
centenas, mas fico por este para encurtar caminho.
Falo nisto porque vivemos em época de descobertas científicas
quase diárias, aparentemente originais e espectaculares, o que se afigura em
contradição com o referido. Ouvem-se notícias de nova esperança no tratamento
do cancro, de grandes feitos no espaço, de aviões a voar a velocidades
imprevistas, do uso de células estaminais em terapêutica, da manipulação do ADN
e por aí fora.
Na realidade, não sei se é assim. Opinam alguns filósofos da
ciência que estamos neste momento a viver do passado, no plano horizontal do degrau
da escada do conhecimento. Os planos verticais dos degraus de tal escada terão
sido subidos até há cerca de 40 anos atrás, concretamente entre 1945 e 1971. Falo
da "pílula", da electrónica, dos computadores, da Internet, da
energia nuclear, da televisão, dos antibióticos, dos comboios de alta
velocidade, da exploração do espaço, com colocação de homens na Lua e o envio
de sondas a Marte, da erradicação da varíola, dos automóveis fiáveis e baratos,
da descoberta da estrutura do ADN e rebabá, tudo num espaço inferior ao de uma
geração humana.
Hoje há coisas extraordinárias, mas apenas melhoramentos de tecnologias
antigas. O telefone atingiu sofisticação enorme, por exemplo, mas nada
comparável com a capacidade de atravessar o Atlântico em 8 horas ou de erradicar
a varíola. A era dourada, como é conhecido o período a seguir à II Guerra, empalideceu. Porquê?
De acordo com o economista
francês Thomas Piketty, vivemos numa época em que o dinheiro atrai dinheiro,
mais que em qualquer outra da História. E quando a riqueza se acumula
espectacularmente sem necessidade de fazer nada, não há investimento genuíno em
inovação. O resultado está à vista: andamos a amolar tesouras e navalhas no
mesmo degrau há anos, sem capacidade de dar o passo para subir ao degrau superior..
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