sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

É TEMPO DE SUBIR A ESCADA

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Já em tempos escrevi que o progresso científico—especialmente, mas não só—se faz aos solavancos; talvez melhor dito, em escada. Há períodos com enormes avanços, como aconteceu com o uso do vapor, e outros em que se vive da exploração desses avanços, sem que realmente se descubram coisas novas com dimensão para virar páginas na evolução social. Em boa verdade, o fenómeno parece útil pois permite o aproveitamento prático até à exaustão dos fenómenos a que chamarei de "eureca!", sem que sejam relegados para o esquecimento com grandes descobertas contínuas. Há um tempo para deglutir e um tempo para digerir. Fleming descobriu a penicilina—o sobressalto—e depois vieram todos os outros antibióticos. Os exemplos são à dezenas, se não centenas, mas fico por este para encurtar caminho.
Falo nisto porque vivemos em época de descobertas científicas quase diárias, aparentemente originais e espectaculares, o que se afigura em contradição com o referido. Ouvem-se notícias de nova esperança no tratamento do cancro, de grandes feitos no espaço, de aviões a voar a velocidades imprevistas, do uso de células estaminais em terapêutica, da manipulação do ADN e por aí fora.
Na realidade, não sei se é assim. Opinam alguns filósofos da ciência que estamos neste momento a viver do passado, no plano horizontal do degrau da escada do conhecimento. Os planos verticais dos degraus de tal escada terão sido subidos até há cerca de 40 anos atrás, concretamente entre 1945 e 1971. Falo da "pílula", da electrónica, dos computadores, da Internet, da energia nuclear, da televisão, dos antibióticos, dos comboios de alta velocidade, da exploração do espaço, com colocação de homens na Lua e o envio de sondas a Marte, da erradicação da varíola, dos automóveis fiáveis e baratos, da descoberta da estrutura do ADN e rebabá, tudo num espaço inferior ao de uma geração humana.
Hoje há coisas extraordinárias, mas apenas melhoramentos de tecnologias antigas. O telefone atingiu sofisticação enorme, por exemplo, mas nada comparável com a capacidade de atravessar o Atlântico em 8 horas ou de erradicar a varíola. A era dourada, como é conhecido o período a seguir à II Guerra, empalideceu. Porquê?
De acordo com o economista francês Thomas Piketty, vivemos numa época em que o dinheiro atrai dinheiro, mais que em qualquer outra da História. E quando a riqueza se acumula espectacularmente sem necessidade de fazer nada, não há investimento genuíno em inovação. O resultado está à vista: andamos a amolar tesouras e navalhas no mesmo degrau há anos, sem capacidade de dar o passo para subir ao degrau superior.

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