quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A MARCHA FÚNEBRE

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Rui Ramos é um historiador cujas intervenções na imprensa e na televisão aprecio quase sempre. Colabora regularmente no Expresso e esta semana tem uma crónica que segere alguma reflexão. Escreve Rui Ramos o seguinte:

Relendo Alexandre Herculano, encontro esta frase: "A história do país é a condenação dos que nos têm governado". Em "As Farpas" de Eça de Queirós, tomo nota deste amontoado de traços tremendos: "Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos (...). A ruína económica cresce, cresce, cresce... O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua ação fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo (...). E a certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o País está perdido!"
E finalmente, no prefácio da 3ª edição do "Portugal Contemporâneo", reconheço o esforço de Oliveira Martins para ser prático: "É sobretudo necessário atacar de frente os dois problemas fundamentais, o da economia pública do País e o das finanças do Estado, para de tal modo se poder travar a roda dos empréstimos e das importações excessivas, estabelecendo ao mesmo tempo o equilíbrio na balança económica do país e na balança do seu Tesouro".
Herculano escrevia em 1851, Eça em 1871 e Oliveira Martins em 1894. Podia aqui restituir os contextos, falar do começo da Regeneração, da crise de 1868-1871, do fim do fontismo. A questão, porém, não é a do enquadramento histórico dessas palavras, mas da sua aparente 'atualidade'.
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Mais abaixo, termina assim:
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Acreditar que nada muda pode justificar desalento, mas também tranquilidade. "O país está perdido!" Outra vez? Se foi sempre assim e ainda cá estamos, para quê inquietarmo-nos? Eça registou o efeito soporífico desse estado de sítio permanente: "Esta decadência tornou-se um hábito, quase um bem-estar, para muitos uma indústria". Mas só porque as palavras não mudaram, não quer dizer que as coisas sejam as mesmas. Talvez nos conviesse aprender a falar do que se passa de modo a sentirmos a sua novidade. Ficaríamos provavelmente menos sossegados.
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Estou de acordo com o cronista quando recusa o estado de alma de que estar o País perdido não vale preocupações porque sempre assim foi e ainda cá estamos. Lembremos que a monarquia do tempo de Herculano, Eça e Oliveira Martins acabou mal; deu lugar a uma república pior, cujas asneiras só foram remediadas pela ditadura agora amaldiçoada; e que esta desaguou noutra república, de opereta e manhosa, com todos os ingredientes para acabar no buraco.
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