sábado, 21 de agosto de 2010

A FISIOLOGIA DA MORAL


A moral tem condicionado a vida do homem desde que é homem, há poucos milhões de anos atrás, em fase não identificada da evolução dos hominíneos. Fá-lo de forma inconsciente, e é moldada pela cultura. Actualmente, é objecto de estudo científico por parte de investigadores em Neurociência, facto que posto assim de supetão é só por si surpreendente, especialmente para quem a moral é fruto de convicção religiosa. O estudo aplica-se igualmente aos crentes pois não constitui investigação invasiva e hostil para as convicções individuais. Também a moral da cultura religiosa deve ser compreendida do ponto de vista psicológico.
O curto artigo a seguir transcrito é da autoria de Joshua Greene, jovem génio de Harvard (1). É uma peça científica e, simultaneamente, literária. A componente científica resistiu à tradução. A literária, peço desculpa, mas foi-se.
.
Não há tópico mais fascinante ou importante que a moralidade. Desde o assumir de decisões políticas de grande responsabilidade, até ao disse-que-disse do escritório, a moralidade está sempre na cabeça de quem intervém. Os conservadores alertam para a decadência moral iminente, enquanto os liberais e laicos receiam o regresso do obscurantismo pela mão dos fundamentalistas da moral. Qualquer decisão política – Vamos para a guerra? Vamos preservar o ambiente? – é também decisão moral, e a escolha que fizermos determina se a nossa espécie continua a desenvolver-se, ou será apenas mais um facto ou ponto efémero na placa de Petri da evolução (2).
Nós e o nosso cérebro evoluímos em comunidades pequenas e culturalmente homogéneas, cada uma com a sua perspectiva moral. O mundo moderno, naturalmente, está cheio de perspectivas morais conflituosas, muitas vezes mesmo violentas. Os maiores problemas sociais - guerra, terrorismo, destruição do ambiente, etc. – decorrem da nossa tendência inconsciente de aplicar pensamento moral paleolítico (também chamado “senso comum”) aos problemas complexos da vida moderna. O cérebro leva-nos enganosamente a pensar que temos a Verdade Moral do nosso lado quando de facto não temos, e cega-nos para o mundo das perspectivas morais alternativas, e para verdades importantes que não está preparado para apreciar. Impede-nos de ver o mundo das alternativas morais e faz-nos relutantes a sequer tentá-lo. Ao tomar decisões políticas importantes, baseamo-nos em sentimentos viscerais que são sagazes, mas não suficientemente sagazes.
Este é o lado mau. O lado bom é que partes do cérebro humano são muito flexíveis e, dependendo mais do uso destes sistemas cognitivos, podemos adaptar o julgamento moral ao mundo moderno. Mas, para isso, temos de pôr de lado o senso comum e pensar de maneira que fere muita gente por ser muito pouco natural.
.
Notas:
.
(1) Joshua Greene é filósofo e investigador de Neurociência. Licenciou-se em Harvard (1997) e doutorou-se em Princeton (2002). Em 2006, começou a ensinar no Departamento de Psicologia da Universidade de Harvard, como professor assistente. A sua área de interesse é o estudo psicológico e neurocientífico da moralidade, focado na interacção dos processos cognitivos e emocionais na tomada de decisões morais. Está a preparar um livro sobre as implicações filosóficas dos conhecimenros científicos emergentes na compreensão da moralidade.
.
(2) A placa de Petri é usada nos laboratórios para cultivar bactérias e outros micro-organismos.
.

Sem comentários:

Enviar um comentário