sábado, 28 de agosto de 2010

BRASIL DO SÉCULO XIX NO TIMES

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Sobre um artigo no Times acerca de longa descrição do Brasil, escrevia Eça:
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Começa, pois, o grande jornal da City por dizer – «que a descrição do vasto império do Brasil com que foi fechada a série das cartas sobre o continente americano deve ter feito transbordar o sentimento de admiração pelo esplendor, etc.» Seguem-se aqui naturalmente vinte linhas de êxtase: é, em prosa, a ária do quarto acto da Africana, Vasco da Gama de olhos húmidos e coração suspenso no enlevo de tanta flor prodigiosa, de tão raros cantos de aves raras...

Depois vem o espanto clássico pela extensão do império: «Só o simples tamanho de um tal domínio (exclama) na mão de uma diminuta parcela da humanidade é já em si um facto suficientemente impressionador!»
E todavia esta admiração do Times pelo gigante é misturada a um certo patrocínio familiar, de ser superior – que é a atitude ordinária da Inglaterra e da imprensa inglesa para com as nações que não têm duzentos couraçados, um Shakespeare, um Bank of England e a instituição do roast-beef... Neste caso do Brasil, o tom de protecção é raiado de simpatia...
Depois o artigo rompe de novo num hino: «A Natureza no Brasil não necessita do auxílio do homem para se encher de abundâncias e se cobrir de adornos!... Para seu próprio prazer planta, ela mesma, luxuriantes parques! E não há recanto selvagem que não faça envergonhar as mais ricas estufas da Europa...» Isto é decerto exacto: mas o Times, receando que os seus leitores viessem a supor que a Natureza do Brasil está de tal modo repleta, tão indigestamente atestada, que não permite, que se recusa com furor a receber no seu ventre empanturrado uma semente mais sequer – apressa-se a tranquilizá-los: «Mas (diz este sábio jornal judiciosamente) ainda que a Natureza dispense bem todo o trabalho do homem, que outros solos menos generosos requerem para se abrir em flores e frutos – não o repele todavia.» Isto sossega os nossos ânimos: ficamos assim certos que nenhum fazendeiro, nos distantes cafezais, ao atirar à terra, a terra-mãe, com a enxada fecundadora, a semente inicial, corre o risco atroz de ser por ela atacado à pedrada ou a golpes de bananeira... Nem outra coisa se podia esperar da doce e pacífica Ceres..
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Eça de Queiros in “Cartas de Inglaterra”
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