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O homem do Século XIX, o Europeu, porque só ele é essencialmente do Século XIX (diz Fradique numa carta a Carlos Mayer), vive dentro duma pálida e morna infecção de banalidade, causada pelos quarenta mil volumes que todos os anos, suando e gemendo, a Inglaterra, a França e a Alemanha depositam às esquinas, e em que interminavelmente e monotonamente reproduzem, com um ou outro arrebique sobreposto, as quatro ideias e as quatro impressões legadas pela Antiguidade e pela Renascença. O Estado por meio das suas escolas canaliza esta infecção. A isto, oh Carolus, se chama educar! A criança, desde a sua primeira «Selecta de Leitura» ainda mal soletrada, começa a absorver esta camada do Lugar-Comum - camada que depois todos os dias, através da vida, o Jornal, a Revista, o Folheto, o Livro lhe vão atochando no espírito até lho empastarem todo em banalidade, e lho tornarem tão inútil para a produção como um solo cuja fertilidade nativa morreu sob a areia e pedregulho de que foi barbaramente alastrado. Para que um Europeu lograsse ainda hoje ter algumas ideias novas, de viçosa originalidade, seria necessário que se internasse no Deserto ou nos Pampas; e aí esperasse pacientemente que os sopros vivos da Natureza, batendo-lhe a Inteligência e dela pouco a pouco varrendo os detritos de vinte séculos de Literatura, lhe refizessem uma virgindade.
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Eça de Queirós ("A Correspondência de Fradique Mendes")
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