[...] Os que uma vez embarcaram abaixo de Serpa, onde as
cataratas põem ponto à navegação, Guadiana em fora até ao Algarve, terão
sentido ao chegar à foz a impressão de quem entra, de um sertão, em um jardim: de quem deixa uma gruta escura por uma planície
luminosa. Breve é a extensão do Algarve, desde Vila Real até Lagos, abrigado
pela ponta do cabo de S. Vicente; mas esse trajecto sombrio do Guadiana divide
duas regiões caracteristicamente acentuadas. O algarvio é um andaluz. Ao contrário
do alentejano, tudo o interessa, de tudo fala, agita-se em permanência, com uma
vivacidade quase infantil. No Algarve não há o silêncio e a impassibilidade: há
o movimento constante, o falar, o cantar de uma população como a dos gregos das
ilhas, ora embarcados nos seus navios costeiros, ora ocupados nos seus campos,
que são jardins. Se a planície e os longos horizontes das montanhas dão ao
espírito a placidez solene, também o arrulhar constante da onda, sobre a qual,
debruçado como um eirado, está o Algarve, põe no pensamento uma agitação
permanente, meio-tonta, mas encantadora. Ao calor de um sol já africano,
durante o estio, e no seio de uma constante Primavera, durante o Inverno, o
algarvio desconhece a aspereza da vida: nem os frios o obrigam à indústria para
se vestir, nem a fome ao duro trabalho da enxada para comer. Enquanto voga
sobre o mar, mercadejando, pescando, contrabandeando, crescem-lhe no campo a
figueira, a amendoeira, a laranjeira, cuja seiva o sol se encarrega de
transformar todos os anos em frutos. A alfarrobeira nas encostas da sua serra,
a palma pelos valados, pedem apenas que lhes colham os frutos e os ramos; e o
mercador, no seu barco, ao longo da costa, espera as cargas, para as trocar por
dinheiro. [...]
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Oliveira Martins in
"História de Portugal"
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