quarta-feira, 7 de junho de 2017

A HISTÓRIA BEM CONTADA


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[...] Os que uma vez embarcaram abaixo de Serpa, onde as cataratas põem ponto à navegação, Guadiana em fora até ao Algarve, terão sentido ao chegar à foz a impressão de quem entra, de um sertão, em um jardim: de quem deixa uma gruta escura por uma planície luminosa. Breve é a extensão do Algarve, desde Vila Real até Lagos, abrigado pela ponta do cabo de S. Vicente; mas esse trajecto sombrio do Guadiana divide duas regiões caracteristicamente acentuadas. O algarvio é um andaluz. Ao contrário do alentejano, tudo o interessa, de tudo fala, agita-se em permanência, com uma vivacidade quase infantil. No Algarve não há o silêncio e a impassibilidade: há o movimento constante, o falar, o cantar de uma população como a dos gregos das ilhas, ora embarcados nos seus navios costeiros, ora ocupados nos seus campos, que são jardins. Se a planície e os longos horizontes das montanhas dão ao espírito a placidez solene, também o arrulhar constante da onda, sobre a qual, debruçado como um eirado, está o Algarve, põe no pensamento uma agitação permanente, meio-tonta, mas encantadora. Ao calor de um sol já africano, durante o estio, e no seio de uma constante Primavera, durante o Inverno, o algarvio desconhece a aspereza da vida: nem os frios o obrigam à indústria para se vestir, nem a fome ao duro trabalho da enxada para comer. Enquanto voga sobre o mar, mercadejando, pescando, contrabandeando, crescem-lhe no campo a figueira, a amendoeira, a laranjeira, cuja seiva o sol se encarrega de transformar todos os anos em frutos. A alfarrobeira nas encostas da sua serra, a palma pelos valados, pedem apenas que lhes colham os frutos e os ramos; e o mercador, no seu barco, ao longo da costa, espera as cargas, para as trocar por dinheiro. [...]
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Oliveira Martins in "História de Portugal"
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