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Fernão de Magalhães desnaturalizou-se de português, e foi-se a Castela pedir que o inscrevessem ali como cidadão.
Fez mal ? Fez bem ?
Castela era naquele tempo, como antes, como depois, a inimiga de Portugal, ainda quando a paz dissimulava nas aparências da concórdia a hereditária hostilidade das duas coroas peninsulares, que aspiravam à exclusiva supremacia. Castela era a émula de Portugal nas conquistas transatlânticas. Castela era na Europa a nação perpetuamente cobiçosa da estreita orla Ocidental que as lanças portuguesas haviam sempre defendido contra os partidários da unidade hispânica; era nos mares o estado que connosco litigava o império e poderio. Renegar a pátria e ir-se a Castela era tão feia acção como na antiguidade o acolher-se um ateniense ou um espartano à corte dos reis da Pérsia, depois de haver contra eles pelejado em Maratona ou em Plateia.
Desnaturalizar-se de português e ir oferecer a sua espada aos reis católicos era porventura maior sacrilégio, então, do que renegar a pureza da verdadeira fé, e transviar-se nos erros de Lutero e de Calvino.
No português não foi para ser louvada a represália. No homem que havia de pertencer à civilização e à humanidade mais do que aos estreitos limites da sua pátria, podemos relevar o impulso da ofendida dignidade e do amor próprio justificado.
Para ser português havia de ver menosprezada a sua glória e mal galardoados os seus feitos. Para não faltar à religião da pátria havia de faltar à religião de honra; havia de devorar as afrontas em silêncio, e reprimir no peito os rebates da sua varonil indignação. Para ser português havia de votar-se talvez para sempre à obscuridade, e ver frustrado o seu empenho de conquistar para si um nome ilustre, a par de quantos houve mais distintos na história das modernas navegações.
Com a fidelidade de Fernão de Magalhães lucrava a pátria e o rei um natural e um vassalo. Mas perdia o drama glorioso dos descobrimentos transatlânticos um eminente personagem, Portugal um nome venerando, a moderna civilização um destes fervorosos operários que da espada e do navio tem feito os mais poderosos instrumentos do progresso.
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Fernão de Magalhães desnaturalizou-se de português, e foi-se a Castela pedir que o inscrevessem ali como cidadão.
Fez mal ? Fez bem ?
Castela era naquele tempo, como antes, como depois, a inimiga de Portugal, ainda quando a paz dissimulava nas aparências da concórdia a hereditária hostilidade das duas coroas peninsulares, que aspiravam à exclusiva supremacia. Castela era a émula de Portugal nas conquistas transatlânticas. Castela era na Europa a nação perpetuamente cobiçosa da estreita orla Ocidental que as lanças portuguesas haviam sempre defendido contra os partidários da unidade hispânica; era nos mares o estado que connosco litigava o império e poderio. Renegar a pátria e ir-se a Castela era tão feia acção como na antiguidade o acolher-se um ateniense ou um espartano à corte dos reis da Pérsia, depois de haver contra eles pelejado em Maratona ou em Plateia.
Desnaturalizar-se de português e ir oferecer a sua espada aos reis católicos era porventura maior sacrilégio, então, do que renegar a pureza da verdadeira fé, e transviar-se nos erros de Lutero e de Calvino.
No português não foi para ser louvada a represália. No homem que havia de pertencer à civilização e à humanidade mais do que aos estreitos limites da sua pátria, podemos relevar o impulso da ofendida dignidade e do amor próprio justificado.
Para ser português havia de ver menosprezada a sua glória e mal galardoados os seus feitos. Para não faltar à religião da pátria havia de faltar à religião de honra; havia de devorar as afrontas em silêncio, e reprimir no peito os rebates da sua varonil indignação. Para ser português havia de votar-se talvez para sempre à obscuridade, e ver frustrado o seu empenho de conquistar para si um nome ilustre, a par de quantos houve mais distintos na história das modernas navegações.
Com a fidelidade de Fernão de Magalhães lucrava a pátria e o rei um natural e um vassalo. Mas perdia o drama glorioso dos descobrimentos transatlânticos um eminente personagem, Portugal um nome venerando, a moderna civilização um destes fervorosos operários que da espada e do navio tem feito os mais poderosos instrumentos do progresso.
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Latino Coelho in "Fernão de Magalhães"
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