terça-feira, 3 de agosto de 2010

JOSÉ CALDAS E A HISTÓRIA DE PORTUGAL

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José Ernesto de Sousa Caldas nasceu em Viana do Castelo em1842, foi amanuense da Repartição de Finanças, e jornalista e escritor autodidacta. Aprendeu várias línguas, o que lhe permitiu estudar os clássicos e adquirir grande erudição. Interessado por temas clássicos e história local, escreveu vários livros, hoje pouco conhecidos. Republicano convicto e anticlerical assanhado – crítico violento da influência dos jesuítas - a sua obra retrata isso mesmo: é parcial quanto baste. A monarquia portuguesa não escapa à investida, desde os primórdios. Para quem gosta de conhecer todos os pontos de vista do passado, aqui fica um excerto do livro “História de um Fogo Morto”.
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Assim, os nossos melhores historiadores não são senão meros biógrafos do paço, sustentando com melhor ou pior habilidade a fama e o bom nome dos reis, que lhes pagam esses especiais serviços. A sua mesma orientação é já, de per si, um acto de suborno. A suposta ingenuidade de Fernão Lopes é uma arma de propaganda em benefício da causa de D. João I, em honra de quem, exclusivamente, D. Duarte lhe manda escrever aqueles capítulos. No intuito de avultar o heroísmo do seu personagem, omite ou esbate, de indústria, as circunstâncias mais essenciais. É muito de ver a má vontade com que fala, sempre que não pode deixar de o fazer, do socorro que Portugal recebeu, por aquele tempo, dos ingleses. Não podendo negar a sua importância, nem a influência das companhias que foram contratadas do outro lado da Mancha, e cuja organização e disciplina, produto dos regimentos especiais de Eduardo III, tão viva influência vêm exercer nas nossas instituições militares dos fins do Século XIV, Fernão Lopes, sempre absorvido na sua empreitada apologética, dá-lhes pouco relevo, dizendo, por exemplo, que, no que respeita a archeiros, os que nos vieram ajudar “forão poucos”, e só a carência absoluta em que estávamos deles, e não a sua notável perícia nas armas, no-los recomendou. Foi por “a necessidade em que o Regno estava”, adverte. Nas suas informações acerca da aliança do de Avis com o Duque de Lencaster, assim como a respeito da conduta, baixa e bifronte, havida com a adúltera, pelo homem que há-de ser mais tarde D. João I, chegando a pedir-lhe perdão de lhe haver assassinado o amante – pedido que Leonor Teles recebe com sorrisos de mofa e de desprezo, cheios de justa altivez -: isto tudo, sem dever esquecer-se a proposta de casamento, que esse mesmo homem lhe faz, jurando contentar-se dali em diante com o título de governador do reino, enquanto o filho da rainha D. Beatriz não chegar à maioridade: - toda essa conduta abominável, em que o sentimento de independência da pátria se atraiçoa e avilta num mercantilismo torpe e abjecto: - em tudo isso as deficiências do cronista são, do mesmo modo, intencionais. Não é uma história que lhe pedem e ele escreve; é a defesa de um cliente poderoso que ele faz. Tem de manipular um mito heróico, e não de descrever a figura humana de um indivíduo com virtudes, com vícios vulgares, com crimes, com heroísmos e com perfeições.
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José Caldas in "História de um Fogo Morto"
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