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As novidades literárias são escassas. Ruskin, o célebre crítico de arte, publicou um livro, que tem causado uma singular surpresa: é um livro íntimo, uma confissão, uma confidência – de quê? De sentimentos? De aventuras? De sofrimentos ou felicidades pessoais? Não: de despesas de casa! Não sabe a gente se há-de achar este livro um começo de imbecilidade senil ou um resto amável de candura infantil. A alta situação literária e crítica de Ruskin, personalidade original de grande relevo, aumenta o espanto. Imaginem o Sr. Alexandre Herculano publicando, de Vale de Lobos, um panfleto de duzentas páginas em que explicasse o que gasta em seus róis, quanto lhe custa a lavadeira, o que emprestou a fulano, a última conta do alfaiate, etc., etc. Uma coisa curiosa se vê no livro de Ruskin – é que gastou em poucos anos uma fortuna de duzentas mil libras! Parte por uma alta filantropia e uma santa caridade – e parte não sabe como; porque, diz ele, viveu quinze anos com tão sórdida economia, privando-se tão asperamente, que apenas gastava, pobre dele, trinta contos de réis por ano! Agora, diz, restam-lhe duzentos e cinquenta contos: acha que não vale a pena conservar uma soma tão mesquinha. Mete na carteira quinze contos para ir viajar este ano, e do resto faz duas partes –uma para dispersar em caridade, outra para empregar de modo que tenha para todo o futuro mil e quinhentos mil réis por ano: porque, diz ele, descobriu que todo o homem que não pode viver com este rendimento não é digno de possuir a vida.
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Eça de Queirós in "Crónicas de Londres" (Abril de 1877)
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segunda-feira, 2 de agosto de 2010
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