domingo, 8 de agosto de 2010

PROSA CRIATIVA

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Em Valada aguarda-nos o almoço dum querido companheiro, Vicente, o clínico, cuja velha casa, de balcão saliente e tectos de caixão, põe diante de nós as vitualhas duma ucharia de abade comodista, regadas de quanto o rascante Ribatejo melhor produz em vinhos de pasto, a escolher, brancos e tintos.
Entretanto a vila toda sai da missa, repicam os sinos, e grupos de guarda-chuvas saltapocinham sobre a lama, fugindo à molha, e levando o borborinho da rua às casas gotejantes. O céu é baixo, vapores de chumbo enchem no rio seus odres de regar, passando em fumaradas lentas sobre os tectos, e levando a vida às planícies de além que o Tejo não fecunda. Esse momento de aldeia é pitoresco, trajos de festa brilham, há cumprimentos de chapéus para chapéus, remoinhos de saias que procuram livrar da lama o polimento das botinas engraxadas, e momentâneas paragens de burgueses, senhoritas de vila, e cavadores que se estramalham por fim nas embocadas das ruelas, enquanto os ricos, sobre o dorso do dique que abriga a povoação das cheias do Tejo, ficam um bocado a mirar a água turva e pressurosa, onde algumas bateiras vão, como tamancos curvos, carregadas de erva, ao seu destino.
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Fialho de Almeida in “Os Gatos”
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(A povoação é Valada, no concelho do Cartaxo)
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