quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A SÉ E O LIMOEIRO


Quem hoje passa pela cadeia da cidade de Lisboa, edifício imundo, miserável, insalubre, que por si só bastára a servir de castigo a grandes crimes, ainda vê na extermidade dele umas ruínas, uns entulhos amontoados, que separa da rua uma parede de pouca altura, onde se abre uma janela gótica. Esta parede e esta janela são tudo o que resta dos antigos paços de a-par S. Martinho, igreja que também já desapareceu, sem deixar sequer por memória um pano de muro, uma fresta, de outro tempo. O Limoeiro é um dos monumentos de Lisboa sobre que revoam mais tradições de remotas eras. Nenhuns paços dos nossos reis da primeira e segunda dinastia foram mais vezes habitados por eles. Conhecidos sucessivamente pelos nomes de paços d'el-rei, paços dos infantes, paços da moeda, paços do limoeiro, a sua história vai sumir-se nas trevas dos tempos. São da era mourisca? Fundaram-nos os primeiros reis portugueses? Ignoramo-lo. E que muito, se a origem de Santa Maria Maior, da veneranda catedral de Lisboa, é um mistério! Se, transfigurada pelos terremotos, pelos incêndios e pelos cónegos, nem no seu arquivo queimado, nem nas suas rugas caiadas e douradas pode achar a certidão do seu nascimento e dos anos da sua vida!
Como as da igreja, as ruínas da monarquia dormem em silêncio à roda de nós, e, envolto nos seus eternos farrapos, o povo vive eterno em cima ou ao lado delas, e nem sequer indaga porque jazem aí!
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Alexandre Herculano in “Lendas e Narrativas”
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