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O "Público" de ontem traz um artigo de Pedro Lomba que deve ser divulgado por tudo quanto é Lusitânia. O que ali se afirma é correcto como as leis de Newton e, não obstante, ninguém se rebela contra tal. Portugal está anestesiado, enganado, embrutecido e, pior que tudo, conformado. O texto tem dimensão excessiva para um blog como este, mas tem de ser publicado em todos os espaços disponíveis. Aqui fica a minha participação.O Diário de Notícias tem vindo há semanas a descrever, número a número, organismo a organismo, o enorme atoleiro de despesa em que se transformou o Estado. Ao longo dos anos, décadas, surgiram instituições que ninguém sabe para que servem, nem quem é que controla, nem se alguém controla. Foram empresas e institutos, obras de fachada, fundações, uma infindável maquia de estudos e às vezes estudos sobre estudos que alguém apropriadamente encomendou e claro: cargos, muitos cargos públicos.
Não vale a pena exprimir o embaraço que sempre se comunica nestas alturas em que o conhecimento da realidade surge à superfície. Nem continuar a lamentar o atropelo ao contribuinte, tratado em Portugal como uma criatura de inesgotável paciência. As coisas são como são, ou como se imaginava que fossem. Não surpreende ninguém que os limites do Estado formem um continente oculto que ainda ninguém desbravou como devia, ou que ainda ninguém escrutinou como devia. O mais importante é perguntar como isto foi possível, como tem sido possível ou, além disso, como é que o país o tolera tranquilamente.
Vejam. Quando o Estado cria, por exemplo, uma empresa pública, ou quando um dos municípios-maravilha da nossa democracia dá à luz uma empresa pública municipal, alguém se deu conta de que tudo isto é feito e decidido livremente sem qualquer controlo sobre essa decisão? Basta que um político decida que o país, ou a sua circunscrição de interesses, precisa de uma nova empresa pública, para que esteja justificado mais um caso de natalidade empresarial.
Não admira que pululem por aí, entre as 1182 entidades do sector empresarial público, empresas sem objectivos claros, criadas sabe-se lá porquê e livres de qualquer controlo e racionalidade que expliquem sequer a sua própria existência. E quem diz empresas, diz também fundações e institutos. Não admira que, como também revelou o DN, essas empresas acabassem naquilo que hoje são: um pousio conveniente para a gula dos partidos.
Outro caso. Quando o Tribunal de Contas avalia ou revela absurdos financeiros de toda a espécie, alguém se deu conta de que em princípio nada acontece, que nenhuma consequência recai sobre os infractores ou decisores? Não estou a criticar o Tribunal de Contas, que nos últimos anos tem feito um notável trabalho de fiscalização financeira. O ponto crítico é esse mesmo: relatórios atrás de relatórios e nada acontece.
Outro exemplo simbólico é o autêntico estado de excepção financeira em que Portugal notoriamente vive, que leva o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, a confessar que o primeiro-ministro andou pelo Qatar a tentar vender dívida pública, ao mesmo tempo José Sócrates desmente dizendo que viajou para a Arábia para participar numa conferência, mais uma, sobre energias renováveis.
Entretanto, a mesma China que Portugal recebeu, através de Hu Jintao, no fim do ano passado, comprou dívida da República a juros considerados excessivos e incomportáveis para a nossa economia.
Como é que isto é possível, como é que um Governo comprovadamente responsável pela ruína financeira do país - o que não quer dizer que seja o único responsável - decide negociar a nossa dívida escolhendo o parceiro e as condições do parceiro, sem se explicar minimamente no Parlamento e sem informar sobre o que está a fazer?
Como salientou o economista João Duque, alguém ofereceu ao Governo mandato ilimitado para que andasse lá por fora vendendo o país aos bocados, em negócios que ninguém controla e com condições que ninguém conhece, podendo sempre recorrer aos fundos europeus e internacionais de ajuda financeira?
Se esta opacidade não representa Um problema constitucional sério ou, se quiserem, um problema de regime, que explica muito do ponto a que chegámos, que ultrapassa inclusive as lamúrias sobre o Estado social, então não sei o que pode ser Um problema constitucional. Chegou por isso a altura de uma certa clarificação política: ou alguém trava este poder abusivo, ou este poder continuará a travar-nos a nós?
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Acrescentaria eu que as diligências do Primeiro-Ministro, oficialmente rotuladas de esforços para salvar o País, não passam de tentativas desesperadas e não escrutinadas do Primeiro-Ministro se salvar a ele próprio.
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