quinta-feira, 16 de junho de 2011

O SENHOR MENDIBAL

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No sábado à tarde, na Rue Cambon, avisto dentro dum fiacre o nosso Eduardo, que se arremessa pela portinhola para me gritar: « Ramalho, esta noite! de passagem para a Holanda! às dez! no café da Paz!»
Fico docemente alvoroçado; e às nove e meia, apesar da minha justa repugnância pela esquina do café da Paz, centro catita do Snobismo  internacional, lá me instalo, com um bock, esperando a cada instante que surja, por entre a turba baça e mole do boulevard, o esplendor da Ramalhal figura. Às dez salta dum fiacre com ansiedade o vivaz Carmonde, que abandonara à pressa uma sobremesa alegre pour voir ce grand Ortigan! Começa uma espera a dois, com bock a dois. Nada de Ramalho, nem do seu viço. Às onze aparece Eduardo, esbaforido. E Ramalho? Inédito ainda! Espera a três, impaciência a três, bock a três. E assim até que o bronze nos soou o fim do dia.
Em compensação um caso, e profundo. Carmonde, Eduardo e eu sorvíamos as derradeiras fezes do bock, já desiludidos de Ramalho e das suas pompas, quando roça pela nossa mesa um sujeito escurinho, chupadinho, esticadinho, que traz na mão com respeito, quase com religião, um soberbo ramo de cravos amarelos. É um homem de além dos mares, da República Argentina ou Peruana, e amigo de Eduardo - que o retém e apresenta «o sr. Mendibal». Mendibal aceita um bock: e eu começo a contemplar mudamente aquela facezinha toda em perfil, como recortada numa lâmina de machado, duma cor acobreada de chapéu-coco inglês, onde a barbita rala, hesitante, denunciando uma virilidade frouxa, parece cotão, um cotão negro, pouco mais negro que a tez. A testa escanteada recua, foge toda para trás, assustada. O caroço da garganta esganiçada, ao contrário, avança como o esporão duma galera, por entre as pontas quebradas do colarinho muito alto e mais brilhante que esmalte. Na gravata, grossa pérola.
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Eça de Queirós, “Carta a Ramalho Ortigão” in “A Correspondência de Fradique Mendes”
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