quinta-feira, 9 de junho de 2011

OSSOS DA SALOIADA

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Manuel Maria Carrilho é personagem com que não simpatizo como pessoa e que, embora atire setas certeiras e justas, só começou a fazê-lo depois de ser demitido de um lugar público de forma inenarrável pelo governo socrático. Antes estava calado.
Mas é um homem com craveira intelectual muito acima do trivial no PS, sendo inimaginável compará-lo com cromos como Vitalino Canas, Lacão, Silva Pereira, Almeida Santos e, sobretudo, o Zézito. Escreve bem, é lúcido politicamente, e tem senso. A sua colaboração no “Diário de Notícias” merece atenção, mesmo para quem não aprecia a pessoa.
Hoje diz, a páginas tantas:

É por isso que me parece uma funesta ilusão alimentar, como se tem feito, a ideia mais ou menos sebastiânica de que a saída da crise decorre automaticamente da aplicação do "plano de ajuda" externo estabelecido com o BCE, a CE e o FMI. Por mais incontornável que, dadas as circunstâncias, ele seja no imediato, este plano não dispensa - muito pelo contrário - uma exigente reflexão sobre o rumo do País e as suas possíveis opções estratégicas no médio e longo prazo.
Portugal precisa de se pensar. Portugal precisa sobretudo de se libertar do paradigma do betão e dos serviços, que tudo tem bloqueado com as suas mitomanias em carrossel. Portugal precisa de olhar para o seu imenso potencial em termos de recursos naturais, de indústrias criativas, de economia do mar - era esta, afinal, a troika para que devíamos olhar.
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É verdade! A primeira coisa a fazer é cortar as asas ao poder local, a maior fonte de dispêndio saloio e alarve, infalível condutor para a ruína que temos pela graça de Deus. As verbas que constam no débito do Estado Português são, em grande medida, fruto de rotundas, pavilhões gimno-desportivos, piscinas, vias rápidas, urinóis, e outras paroladas de presidentes de câmara toscos, demagogos, corruptos e sem emenda. Não basta apelar à razoabilidade: é imperativo meter-lhes um freio nos queixos. Ainda a tinta das assinaturas de Portugal no acordo com a troika não tinha secado e já suas excelências diziam ser impossível cumprir tais compromissos!
Recordo a propósito outra personagem que, tal como Carrilho também não faz o meu género - refiro-me a Clara Ferreira Alves. Falava esta semana, no “Expresso”, de Cascais, antiga vila de pescadores cheia de encanto, rodeada hoje de vias rápidas, auto-estradas, pontes, pontões, pontinhas, centros comerciais e outras jericadas de mau gosto e saloiada certificada.
Fico possesso quando ouço hosanas ao poder local, vindo de gente com responsabilidade, porque sei que não estão a pensar nas escolas que se construíram, nas obras de manutenção do património, ou no fomento da actividade educativa, cultural, ou económica – estão somente de boca aberta perante a enormidade da obra pública.
A falta de noção da realidade, do equilíbrio, dos recursos existentes, e outras coisas do género, aliada a enorme provincianismo e falta de cultura humanista, levam-nos a sonhos delirantes de várias linhas de TGV, de um aeroporto da última geração e à distribuição gratuita de computadores portáteis nas escolas primárias. Assim, não dá. Ou mudamos de mentalidade, ou não vamos lá.
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