quarta-feira, 30 de junho de 2010

O ALVO

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O CHIADO DO CHIADO


[...] O meu falecido amigo visconde de Alenquer, que era um gentleman distintíssimo, primoroso em maneiras e acções, além de ser um bibliófilo digno de apreço e consulta, tomou tanto gosto pelas obras do padre José Agostinho de Macedo, que passou a maior parte da existência a coleccioná-las por bom preço e a muito custo.
Contudo, havia tanta disparidade entre o carácter de um e do outro, porque o autor dos Burros foi o mais atrabiliário, inconstante e perigoso homem de letras de todo o nosso Portugal, que o visconde de Alenquer, se houvesse sido contemporâneo do padre José Agostinho, nunca teria podido ser seu amigo, nem seu defensor, nem jamais o quereria ver em intimidade de portas a dentro.
Pela minha parte, também sou obrigado a confessar um semelhante fraco, não pelo mesmo padre, mas por outro que, sob o ponto de vista da disciplina monástica e da dignidade sacerdotal, não valia mais. Refiro-me ao franciscano António Ribeiro, o Chiado, que também despiu o hábito e foi tunante irrequieto, sendo igualmente homem de letras.
Até 1889, ano em que logrei dar a lume às suas obras, quase perdidas, e geralmente desconhecidas, custou-me o Chiado bom trabalho e canseiras para ressuscitá-lo aos olhos do grande público em toda a sua individualidade literária. De então para cá não deixei de pensar nele a investigar-lhe a biografia, que é das mais obscuras e complicadas, e a procurar aquelas de suas obras que até 1889 não consegui haver à mão por mais que as desejasse e buscasse.
Alguma coisa achei neste lapso de onze anos. Não é tudo ainda. Mas não perdi o tempo, nem parei, porque me repugna a inércia, e porque, verdade-verdade, tomei gosto ao Chiado, que não foi um vulto proeminente nas letras, mas que tem relevo como boémio e dizedor, como trovista alegre e zombeteiro, farçante popularissimo, que a praça pública aplaudia e que os escritores mais notáveis não desconsideravam.
Outros meus contemporâneos têm consagrado todo o seu tempo ao Chiado rua, e talvez esses se riam de mim, que prezo mais o literato do que o Regent Street alfacinha.
Todavia, cumpre adverti-los de que a rua lembra o escritor, e de que foi ele, como julgo poder demonstrar agora, que deu nome á rua.
Eu já em 1889 pendia para esta opinião, conquanto, nessa época, só houvesse encontrado vestígios de que a rua tinha aquela denominação no Século XVIII.
Depois disso, alguém lembrou que já era assim chamada na primeira metade do Século XVII (1634) como se reconheceu por um documento digno de fé.
E eu próprio li, posteriormente, uma referência mais antiga, porque é relativa à primeira década do mesmo Século XVII: «Outras casas do bairro do Marquês ficavam situadas ao Chiado, quando se entra na rua Direita da Porta de Santa Catarina (1610) »
Mas hoje cuido trazer prova convincente de que foi o poeta que, por consenso espontâneo do povo, deu o nome de Chiado à antiga rua da Porta de Santa Catarina ou a parte dela.
O povo baptiza melhor do que a Câmara Municipal, porque baptiza com mais acerto, quase sempre com inteira razão de ser; por isso, nome que ele ponha, pega, fica, perdura.
E, não obstante a Câmara Municipal mudar em 1880 o nome à rua, de Chiado para Garrett, o povo não quis saber de reviravoltas de letreiros nas esquinas: continua a chamar-lhe Chiado; Chiado é que é, porque o povo quer que seja assim.
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Alberto Pimentel in "O Poeta Chiado" (1903)
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PARIS

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OS ESPIÕES QUE (AINDA) VÊM DO FRIO

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Domingo passado viu surgir nos Estados Unidos a notícia de uma história digna de romance de John le Carré. De supetão, o FBI prendeu dez cidadãos estrangeiros, acusando-os de pertencerem a uma rede de espionagem a favor da Rússia. Um 11º elemento, encarregado da distribuição de dinheiro à rede, foi preso ontem no aeroporto de Larnaca quando tentava sair para Budapeste.
De acordo com a polícia federal americana, Cynthia Murphy, uma das detidas, havia recebido instruções do SVR, sucessor da KGB, para se insinuar junto de um financeiro nova-iorquino descrito como angariador de fundos de grande partido político e amigo pessoal de membros do governo. Tal perfil é o de Alan Patricof, gestor da campanha para o Senado de Hillary Clinton e seu próximo, o que ele confirma.
Robert Christopher Metsos, o detido em Chipre, viajava constantemente de e para os Estados Unidos com documentos falsos, transportando de Moscovo centenas de milhares de dólares em numerário para financiar a organização.
A rede usava métodos de filme, segundo o FBI, com equipamento de comunicações high-tech, garrafas de cerveja enterradas, tinta invisível, senhas do tipo “É maravilhoso ser Pai Natal no Verão”, blá, blá, blá.
Anna Chapman (na fotografia acima), outra das detidas, havia já estado em Inglaterra a trabalhar na firma de aluguer de aviões "NetJets Europe 2004" e, segundo ela, no "Barclays", coisa que o banco desmente. É descrita por quem sabe como “sexualmente agressiva”, enquanto outros, simplesmente, pensavam tratar-se de uma prostituta.
Um agente infiltrado do FBI, fez gravações dos encontros com ela, levou-lhe o computador portátil porque precisava de arranjo, e conseguiu a promessa de que lhe arranjaria um passaporte falso para outro agente.
Os investigadores pensam que a rede tinha como objectivo obter informações sobre política externa americana, finanças, economia e tecnologia. O governo de Putin, que pelo visto ainda não se curou daquela coisa do KGB, além de admitir que alguns dos presos são russos, diz não perceber nada do que os americanos estão a falar. Eh, eh, eh...
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CAPA DO DIA

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A muralha defensiva de Queirós, pesadelo dos espanhóis e táctica calina dos portugueses, meteu água.
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terça-feira, 29 de junho de 2010

CALOTES MONÁRQUICOS E REPUBLICANOS


O Jornal da Noite publica uma conta de despesa feita pelo presidente da república dos Estados Unidos, Abraão Lincoln, em um hotel de Albany. O ilustre democrata e as pessoas do seu séquito pagaram a soma de um conto e alguns mil reis por uma hospedagem de menos de vinte e quatro horas.
Este facto argumenta vivamente contra a opinião dos que acham as repúblicas mais baratas para os povos do que as monarquias.
Efectivamente vemos que, ao passo que o presidente da república da América do Norte faz um conto de reis de despesa em algumas horas em Albany e paga essa despesa, sua majestade o imperador da América do Sul dispende no Porto mil libras em quatro dias, e não as paga.
É indubitável pois que as monarquias são incomparavelmente mais baratas do que as repúblicas.
Deve-se porém observar que, sob este ponto de vista, o descrédito das democracias pródigas procede principalmente das estalagens exigentes. Porque está provado que sempre que um republicano em viagem pretende gastar tão pouco como um rei económico, os estalajadeiros fazem ao republicano o seguinte: sequestram-lhe a bagagem.
Parece-nos arriscado estabelecer entre os príncipes e os povos esta perigosa competência de quem há-de pagar menos em viagem. Pois que, realmente, desde que as testas coroadas chegaram ao ideal de se apoderarem das contas e não pagarem nada, os povos só poderão desbancar os reis se, não pagando igualmente nada, começarem a estabelecer este uso: depois de se apoderarem das contas, apoderarem-se igualmente—das pratas.
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Ramalho Ortigão in "As Farpas"
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GIAN LORENZO BERNINI

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.Fauno e cupidos (1619) - Metropolitan Museum de Nova Iorque

O K-7 DE KONSTANTIN KALININ

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Esta coisa aqui em cima, parecida com um avião de ficção científica de Júlio Verne, existiu mesmo, nos anos trinta do Século passado. Foi na Rússia de Stalin, criado por Konstantin Kalinin, antigo piloto durante a I Guerra Mundial. A envergadura de asa era superior à do B52, bombardeiro americano ainda em uso e de propulsão a jacto, e a superfície das asas muito maior. Tinha seis motores de cada lado, cada um com uma hélice a puxar e outra a empurrar, como se vê nas fotografias.
Equipado com armamento pesado, era uma fortaleza voadora impensável. Repare-se nos canhões montados à frente na imagem da direita, e imagine-se o que seria estar no avião quando aquelas peças disparavam.
No 11.º voo de ensaio, a cangalhada desfez-se mais ou menos com a vibração, espetou-se, e morreram 15 ocupantes. Acabou!...
O projecto foi abandonado e, em 1938, Konstantin Kalinin foi preso, acusado de espionagem e sabotagem, e executado. No tempo de Satalin, não era muito saudável dar fífias.
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(Imagens e informação enviadas por João Brito)
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JFK

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BLATTER É NHURRO


A respeito do golo anulado à Inglaterra, e ao metido em jogada com fora de jogo claro da Argentina, ontem, Blatter, presidente da FIFA, declarou aos jornalistas: J'ai exprimé mes excuses aux deux délégations directement concernées. Je comprends qu'ils ne soient pas contents. Les Anglais m'ont dit merci, les Mexicains ont baissé la tête.
Um leitor do jornal francês "Le Monde" comenta assim:
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Declaração de Blatter: "Travei a adopção do vídeo para ajudar as arbitragens. Apesar das numerosas sugestões nesse sentido ao longo de anos, opus-me, com a autoridade que é a minha, embora não ignore que a tecnologia, sem interesse há 30 anos, é agora utilíssima. Constato hoje que as competições mais prestigiadas podem ser abastardadas por erros grosseiros, como consequência da recusa do vídeo. Por isso, peço a demissão."
Isto foi uma coisa com que eu sonhei!
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IR AO LIMITE

segunda-feira, 28 de junho de 2010

CAMILO POR FIALHO


Uma das mais vivas e prestigiosas figuras da moderna literatura europeia é Camilo Castelo Branco. Natureza profundamente emocional, propondo todos os seus problemas em colisões de sentimento, alia à mais alta cultura da linguagem, que ainda apareceu em escritor português, o sentimento fulgurante de um vivo protesto contra a decadência que nos vai avassalando, aos poucos, na arte e nos costumes contemporâneos. Absorvido numa forte elaboração estética e fugindo às tentações da política, que tantas boas-vontades tem aniquilado, refugiou-se no seu trabalho de homem de letras, como Robinson na sua ilha. Dentro desse baluarte inexpugnável, ele tem continuamente erguido os seus tipos tradicionais, essas altas e marmóreas figuras esculturais, escolhidas entre uma fidalguia decadente, que vai gradualmente desaparecendo, substituída pela aristocracia do dinheiro, e os tipos enérgicos e viris dos homens rudes e sãos, de quem ainda é permitido esperar um dique à corrente que passa. É por isso que a obra de Camilo é uma das mais patrióticas, sem perder contudo esse carácter a um tempo tão literário e tão pitoresco, que sobremodo avulta na sua linguagem; o observador atento encontra naquele estilo inimitável, naquelas descrições encantadoras, naquelas paisagens vibrantes de realidade, a riquíssima seiva provincial, que é um dos mais elevados apanágios deste privilegiado do talento.
As nações que merecem sobremodo esse nome são aquelas que vinculam em monumentos eternos a lembrança dos seus grandes homens; e o maior monumento que se pode erguer a um escritor do merecimento de Camilo é a consagração nacional da sua obra.
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Fialho de Almeida in "Os Gatos"
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A CIÊNCIA EXPLICA

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A Ciência é indispensável e oportuna. O jornal "Proceedings of the National Academy of Sciences", dos Estados Unidos, publica hoje o resultado do estudo de neurocientistas onde se demonstra que a representação mental das nossas mãos não corresponde à realidade. Colocando a palma da mão esquerda debaixo de um plano opaco e mandando voluntários apontar na outra superfície onde pensam que estão várias partes da mão inferior, verificaram os investigadores que o homem subestima o comprimento das mãos em 1/3 e sobrestima a largura em 2/3; explicação para muita coisa, incluindo a bola a roçar a luva do guarda-redes e a escapar para o fundo da baliza porque o jogador sobrestimou a largura da mão.
Volta Robert Green que estás perdoado. Afinal, és normal! E o teu substituto também não é grande espingarda, como se viu ontem com a Alemanha.

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GRAFFITI

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Oliver Fricker, suíço de 32 anos, foi julgado em Singapura por se ter infiltado à noite no parque dos transportes colectivos e, juntamente com outro parvo britânico, ter cagado - peço desculpa, mas é o termo adequado – um comboio, como mostra a imagem. Vai receber 8 vergastadas com uma cana de bambú de 1,2 metros, e passar 3 anos na cadeia. Correcto, mesmo com vergastadas.
Aos que estão indignados com o relatado, pergunto o que achariam se o jagodes se infiltrasse na casa deles e lhes cagasse – peço desculpa, mas é o termo adequado – a parede do quarto, como fez ao comboio.
As carruagens, tal como as superfícies do espaço público, são propriedade colectiva, e não tela para pintores psicopatas, que não podem impor a sua “arte” a quem a não quer ver.

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AS GIRAFAS DA NAMÍBIA

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CAPA DO DIA

Inglaterra viu golo limpo não ser validado contra a Alemanha
Argentina fez 1-0 em claro fora-de-jogo, diante do México
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FOI HOJE

domingo, 27 de junho de 2010

PÁGINAS ESCOLHIDAS

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VISITA REAL AO NORTE
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Quantas singularidades, nesta viagem, da parte das câmaras! Um pouco antes de Vila do Conde — na estrada, à passagem do Rei, erguia-se este ornato: um palanque — um palanque! — com um mestre-escola cercado dos seus discípulos, funcionando. Decoração inesperada! As escolas, até aqui, tinham sido quase tudo, desde enxovia até curral: só não tinham sido duas coisas — escolas, e arcos de buxo.
Mas ei-las, agora, substituindo galhardamente, nas estradas armadas em gala, a coluna de lona do tempo de D. João VI ! A câmara escolheu delicadamente a escola para enfeite: podia pôr ali uma filarmónica ou um mastro: preferiu a escola. A instrução torna-se festão de luxo; o ensino arma-se em quadro vivo! Que dizem os livros e os espíritos sentimentais, que a escola é civilização, é paz, é futuro, e tantas sonoras imaginações? A escola é ornato municipal, é arrebique de festa, para armar as ruas, enfeitar os largos em vésperas do S. João e nos aniversários da Carta.
É uma revelação, isto. A câmara tinha ali aquela escola; não lhe servia de nada; extinguia-se mesquinhamente a um canto, sob o lento bolor. Pois bem. Tira-se a escola da sua inércia, escova-se, arma-se sobre um palanque, põem-se os meninos em posições estudiosas, arranja-se o mestre com gravidade pedagógica, põe-se-lhe rapé novo no nariz, enverniza-se a palmatória, espera-se. Ao longe, na estrada a poeira enovela-se; é El-Rei; sentido! os trens rodam surdamente no macadame; já se vêem os bordados das fardas; ei-los! E, como se poderia erguer nos tambores e nas trompas o hino — ergue-se nas bocas estudiosas o B-a-ba. Eis o A B C hino municipal! No dia seguinte os festejos murcham; desfazem-se os arcos, despregam-se as luminárias, desarma-se a escola — e tudo, lamparinas, livros, ensino e ramos de loiro, volta a apodrecer nos sótãos da casa da câmara!
Achou-se, enfim, às escolas, um fim, um destino, uma utilidade: ornatos de gala. E esperemos que na próxima viagem de El-rei ao Norte, seguindo-se o exemplo inteligente de Vila do Conde — os jornais digam: «A estrada de Penafiel a Amarante estava brilhantemente adornada de escolas primárias: de espaço a espaço, sobressaíam, com lindo efeito, liceus: havia ideia de pôr no topo a Universidade — mas este notável estabelecimento científico — não chegou a tempo! »
Oh terra do nosso berço! . . .
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Eça de Queirós in “Uma Campanha Alegre”
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CÂMERA MADRASTA

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A VERVE ASININA

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Portugal promete dar muitas dificuldades à Espanha, dizem os jornais hoje. Começa assim mais um ciclo de asneira jornalística. Os jornais ingleses diziam ontem que a hipótese de apuramento por penaltis estava fora de causa. E esteve de facto; mas por razões que a bravata britânica não esperava.
Não há nada como falar pouco e jogar bem. Vale mais um golo na mão que vinte papagaios a voar. Eu sei: é preciso justificar o custo das viagens à África do Sul, mostrar serviço, e encher papel. Mas isso pode fazer-se com bom senso - que vai faltando.
Portugal tem uma equipa de habilidosos com escasso espírito colectivo e muito pouca auto-confiança. O ego é insignificante e, nesse aspecto, somos pigmeus quando comparados com Espanha ou Argentina, por exemplo. Mas há dias: quando se conjugam alguns factores cuja natureza não está esclarecida, a rapaziada encarreira e chega a brilhar. Pela sucessão aleatória de períodos assim, podemos ir longe.
Mas só os deuses sabem como é. E tenho o pressentimento que os deuses não gostam de jornalistas, porque quando eles embandeiraram em arco, corre tudo mal.
Por favor, senhores jornalistas, metam a viola no saco e aguardem o momento próprio para fazer a festa e dar largas à basófia, se for caso disso. Entretanto, vão-nos dizendo como está o tempo, se chove ou faz frio, e quantos engates estão combinados com o Ronaldo. Por enquanto é o mais avisado.
Bom trabalho.
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BOAS-VINDAS FRANCESAS

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SURPRESA!...

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Mário Soares afirmou hoje, em Arcos de Valdevez, que "Portugal é um país com futuro" e apelou aos portugueses para terem "confiança neles próprios", sem complexos de inferioridade.
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In "Expresso" online
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Será confusão do jornal, ou da idade?
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A ARRASTAR A GLÓRIA HÁ 44 ANOS

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KO!
Alemanha 4-1 Inglaterra
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sábado, 26 de junho de 2010

BEM-VINDOS À FESTA

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A JENNY DE JÚLIO DINIZ


Jenny era uma destas jovens inglesas, cuja suavidade e correcção de contornos, alvura e delicadeza de tez e puro dourado dos cabelos, lhes dão uma aparência tão subtil e vaporosa, e, quase direi, tão celestial, que se espera a cada passo vê-las desprenderem-se da terra e dissiparem-se, como instantânea visão luminosa, diante dos olhos, que por momentos ofuscaram.
Delicadas, como o arminho, que chega quase a subtrair-se à sensação do tacto, de delicado que é, estas poéticas organizações setentrionais possuem tanto de vago, tanto de imaterial, que, junto delas, apodera-se de nós, entes profanos e grosseiros, certo invencivel constrangimento, como se receássemos com um sopro desvanecê-las, crestá-las com o olhar, maltratá-las com o gesto.
Os desejos não voam até ali; rodeia-as uma atmosfera de virginal castidade, no seio da qual esses filhos alados da imaginação abatêm-se asfixiados.
Belezas, como ela, foram por certo as que inspiraram as imagens de virgens dos cantos de Ossian ao espírito de quem quer que foi seu autor, daquelas virgens, que o bardo comparava à neve da planície e cujos cabelos imitavam o vapor do Cromla, dourado pelos raios do ocidente.
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In “Uma Família Inglesa”
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CROMOS DA BOLA

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FUTURO DA CIÊNCIA


O editorial da revista "Science" desta semana, da autoria de Martin Rees, professor do Trinity College de Cambridge e presidente da Royal Society, é um texto de mais de 600 palavras; mas a mensagem é curta, embora de importância definitiva.
Ocupa-se das consequências para a humanidade do avanço científico.
Os cientistas atómicos do Projecto Manhattan durante a II Guerra Mundial voltaram à actividade académica depois da guerra, mas passaram o resto da vida a tentar controlar o poder que haviam criado. Hoje estamos no limiar de novas descobertas capazes de modificar o mundo de forma surpreendente, como o conhecimento do genoma e a capacidade de o manipular, o que vai alterar o perfil epidemiológico de muitas doenças e ter consequências demográficas imprevisíveis num planeta que pode vir a ter muito mais de 9 mil milhões de habitantes no meio deste Século; como o avanço das ciências do cérebro, com o mapeamento das funções cerebrais, incluindo as psíquicas, e a possibilidade de as modificar; ou a criação da inteligência artificial, meio caminho andado para um estilo de vida completamente distinto do actual.
É preciso responder a interrogações suscitadas por estes avanços e ao que já existe. De que modo podemos deixar os computadores invadir a nossa privacidade? Vamos continuar a usar pesticidas ou a cultivar plantas geneticamente modificadas, capazes de resistir à doença? É o nuclear alternativa às energias fósseis, ou definitivamente optamos pelo vento? Quem terá acesso à leitura do nosso genoma? São questões para que os políticos não têm resposta.
Há um colossal hiato entre o que a Ciência permite e o que é prudente e éticamente aceitável fazer. E é aí que deve ser posto o acento tónico na esfera científica; não no avanço permanente, social e filosoficamente desenquadrado. Não é mentalidade de velho do Restelo – é simples bom senso.
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FOI HÁ 44 ANOS...

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. Amanhã veremos...
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RETÓRICA E REALIDADE


Em artigo publicado no "The Times", a propósito da reportagem sobre o general McChrystal que levou à sua demissão por Obama, uma leitora faz o seguinte comentário lapidar:
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Na realidade, ele queria ser demitido, reformar-se e deixar o Afeganistão, depois de perceber o que muitos de nós já sabemos – uma guerra assim não se vence. É a guerra da ideologia e da cultura, sem inimigo material, não abordável por soldados. O inimigo só combate se encurralado, atacado, ou ameaçado.
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Não sou admirador de Manuel Alegre, político, ou cidadão. Mas encontro imagens fortes em alguma da sua poesia. E, na verdade, não há machado que corte a raiz ao pensamento, coisa difícil de entender pelos Estados Unidos. Obama recebeu a pesada herança de Bush e não consegure dar a volta ao texto. Uma coisa é retórica de campanha eleitoral e outra a crua realidade. É nesta que vivemos.
McChrystal já percebeu.
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CAPA DO DIA

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sexta-feira, 25 de junho de 2010

CÓRSEGA

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O ENCANTADOR DE RATOS DE HAMELIN


Era 1284, e a pequena cidade de Hamelin, na Alemanha, estava infestada de ratos, praga que não dava tréguas aos habitantes, sobretudo aos seus queijos. Até ao dia da chegada do tocador de flauta, de veste garrida e exterminador de ratos. Aprazado o preço de um xelim por cada bicho morto, soou a flauta e a rataria, saída de tudo quanto era toca, seguiu enfeitiçada a melodia e o encantador – até ao rio, onde viria a afogar-se. Era o alívio do povo, que na hora das contas recusou o pagamento ajustado.
Sai o exterminador da cidade ressentido e volta um dia, quando todos estão na Igreja. Toca de novo a flauta e dirige-se para a montanha, desta vez seguido por todas as crianças da povoação; 130 para ser exacto, enfeitiçadas elas também. Conduzidas até uma gruta, nunca mais ninguém as vê. E também ao tocador. Estava consumada a vingança.
Três razões trazem a lenda ao blog. Primeiro, a notável sobrevivência da história, ainda viva de muitas formas na cidade de Hamelin e bem explorada pelo turismo. Depois, o facto de se admitir ter origem em factos reais, eventualmente um surto de peste que teria dizimado dezenas de crianças. Mas fundamentalmente porque, facto inédito, a lenda é datada. Ocorreu em 1284 e a segunda vinda do tocador de flauta à cidade, quando sumiu 130 crianças, foi no dia 26 de Junho, faz amanhã 126 anos!
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[...]
Rats!
They fought the dogs, and killed the cats,
And bit the babies in the cradles,
And ate the cheeses out of the vats,
And licked the soup from the cook's own ladles,
Split open the kegs of salted sprats,
Made nests inside men's Sunday hats,
And even spoiled the women's chats,
By drowning their speaking
With shrieking and squeaking
In fifty different sharps and flats.

[...]
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A história foi celebrizada pelo poeta ingês Robert Browning em versos que pode ler integralmente aqui.
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IMPONÊNCIA NAVAL

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quinta-feira, 24 de junho de 2010

O CENTAURO SILVA PINTO


Assim começava a crónica de Camilo dirigida ao jornalista Silva Pinto da “A Actualidade”:
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Tantas vezes o noticiarista repete que eu sou assinante do seu papel, que parece estar-me convidando a declarar a razão por que assinei.
Eu lha digo ao noticiarista. Foi para me regalar com as inépcias do folhetinista.
Quer-me parecer que os dous são um e mesmíssimo tolo (com licença: não diga que sou incivil).
Se os dous não são homogéneos, então tenho centauro pela frente. Em cima, no noticiário, está a porção humana do aborto; em baixo, no folhetim, está (com a devida cortezia) a porção bestial do mesmo centauro.
Mas há lanços em que o centauro se cabriola de feitio que a metade de baixo esperneia em cima; e a gente, a meia volta, não sabe já onde está o homem, nem onde está (com a divida vénia) a besta.
O noticiarista, que me dizem chamar-se Silva Pinto, consinta que eu, por conveniências da composição e da variedade da forma, lhe não chame sempre centauro e tolo. Obriga-me a pedir-lhe licença todas as vezes em obséquio à urbanidade. O melhor é chamar-lhe, como variante, Silva Pinto.
O snr. Silva Pinto começou no n.º 16 da Actualidade a traduzir romances de Balzac.
Ai da nomeada do eminente explorador da alma, se Balzac pudesse espelhar-se na fusca fotografia que lhe tirou este encarvoador de paredes caiadas!
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Camilo Castelo Branco in “Noites de Insónia”
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HAVE YOU SEEN THIS MAN?

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CAMINHO DE FERRO DO DOURO

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CAPA DO DIA

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. Quando terá Portugal Primeiro-Ministro e Justiça que não façam capas destas?

MARILYN

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. Chanel nº 5

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O NAVIO ÍNDIA



Louvemos a Providência em humilde atitude: o Índia podia não ter fundo!
Mas não, o Índia é o nosso glorioso vaso, conhece o brasão heróico que usa, compreende a responsabilidade que arvora, vê que lhe cumpre sustentar o nome da Lusitânia, e portanto o Índia, com uma moderação que nos comove até às lágrimas, o Índia – mete apenas cinco polegadas de água por dia!
E todavia o Índia podia – quem lho impediria? quem ousaria coibir-lhe a nobre vontade? – o Índia poderia não ter casco! O Índia poderia não ter costado!
Mas não! o Índia sabe os deveres de todo o honrado transporte de guerra para com a Pátria que o emprega. O Índia – limita-se a meter apenas cinco polegadas de água por dia!
O Índia, o melhor navio que temos, o navio novo, expressamente feito para uso do País, comprado com madura reflexão, examinado com escrupulosa ciência, glória da nossa marinha, defesa das nossas colónias, garantia da nossa honra, o Índia, que sábias comissões aprovaram, que uma recta imprensa exaltou, que professores da escola normal celebraram, que custou muitas mil libras, que é novo, perfeito, impecável, o Índia – mete apenas cinco polegadas de água por dia!
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Eça de Queirós in "Uma Campanha Alegre" (Janeiro 1872)
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TIJOLOS

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"LES BLEUS" E A IMPRENSA IRLANDESA


The World Cup isn’t just about winning – especially not for Ireland supporters who yesterday witnessed a just end to France’s tour de farce.

Outgoing France coach Raymond Domenech said he felt "a great sadness" after Les Miserables failed to qualify from their group, but Ireland supporters welcomed the result, avec plaisir.

After the one-time champions’ dreams were reduced to flambé, former captain Laurent Blanc was chosen to replace Domenech as France coach, but for a team that scored just one goal in the tournament – plus ça change, plus c’est la meme.

And the farce continued when the French sports minister Roselyne Bachelot said: “We are taking note of the indignation of the French people and calling for dignity and responsibility.” Where was the “dignity” and “responsibility” in the wake of Henry’s double handball against Ireland?

Escalettes (presidente da FFF) is horrified at the way France imploded.

They arrived travelling first class on a new Airbus A380. But they will be going back on an older Boeing 737, second class and with no special extras.

Eh, eh, eh...
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PONTES COBERTAS


Esta é a Ponte Vechio, ou Ponte Velha, de Florença, que já apareceu neste blog várias vezes num clip daquela cidade, e em gravura de livro publicada há pouco. Volta agora por ser exemplo das pontes cobertas, cuja origem remonta ao Século XII, quando eram muito populares na Europa, sobretudo na Suíça. Eram cobertas porque a estrutura de madeira das pontes abertas sofria as inclemências do clima, o que abreviava a duração. A cobertura aumentava a longevidade até dez vezes mais.
A Ponte Vechio é o ícone de Florença, a mais antiga da cidade - provavelmente do tempo da colonização romana - transpõe o Arno e foi poupada aos bombardeamentos de 1944. Um passeio por ela permite ver o rico comércio ali instalado, particularmente dos ourives florentinos. No meio, tem duas varandas panorâmicas com vista belíssima.

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PERDER TEMPO COM NINHARIAS...


Há anos, depois de empanturrado num restaurante, com a comida procurando brecha para descer e o flato sustido a barrar-lhe o caminho, pedi a conta. Veio a dita com carapau do grande, molho à espanhola e tudo. Apresentado o protesto devido, recolheu o documento a bastidores para voltar com nova versão. Conferida a segunda edição, porque ainda com carapau, houve novo reparo. O empregado conferiu também, fez cálculo algébrico mental, olhou para mim com misericórdia e disse: mas são só 100 escudos a mais!...
A peça ilustra o espírito administrativo do regime que, pela Graça de Deus, nos governa. Há dias, quando se falava na despesa inexplicável planeada para construir a sala de fumo no Parlamento, disse um responsável: por favor, meus senhores, são só... 100 escudos a mais! Voilá.
É isto, entre outras coisas, que nos está a matar.
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O BANQUETE DAS INSTITUIÇÕES

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Soares nunca fez o meu género, como é notório. Ademais, está a ficar entaramelado na palavra e na ideia. A qualidade do vídeo também não ajuda. Mas salva-se a acusação, que comungo de todo, do esbanjamento público em direcções-gerais, autarquias, governos regionais, empresas públicas e para-públicas, instituições ditas democráticas, blá, blá, blá. Por isso, reproduzo o vídeo, com vénia à Rádio Renascença. A capa do dia, publicada há minutos, ilustra a prosa acima lavrada.

CAPA DO DIA

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terça-feira, 22 de junho de 2010

UMA CAMPANHA ALEGRE

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