quinta-feira, 24 de junho de 2010

O CENTAURO SILVA PINTO


Assim começava a crónica de Camilo dirigida ao jornalista Silva Pinto da “A Actualidade”:
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Tantas vezes o noticiarista repete que eu sou assinante do seu papel, que parece estar-me convidando a declarar a razão por que assinei.
Eu lha digo ao noticiarista. Foi para me regalar com as inépcias do folhetinista.
Quer-me parecer que os dous são um e mesmíssimo tolo (com licença: não diga que sou incivil).
Se os dous não são homogéneos, então tenho centauro pela frente. Em cima, no noticiário, está a porção humana do aborto; em baixo, no folhetim, está (com a devida cortezia) a porção bestial do mesmo centauro.
Mas há lanços em que o centauro se cabriola de feitio que a metade de baixo esperneia em cima; e a gente, a meia volta, não sabe já onde está o homem, nem onde está (com a divida vénia) a besta.
O noticiarista, que me dizem chamar-se Silva Pinto, consinta que eu, por conveniências da composição e da variedade da forma, lhe não chame sempre centauro e tolo. Obriga-me a pedir-lhe licença todas as vezes em obséquio à urbanidade. O melhor é chamar-lhe, como variante, Silva Pinto.
O snr. Silva Pinto começou no n.º 16 da Actualidade a traduzir romances de Balzac.
Ai da nomeada do eminente explorador da alma, se Balzac pudesse espelhar-se na fusca fotografia que lhe tirou este encarvoador de paredes caiadas!
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Camilo Castelo Branco in “Noites de Insónia”
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