sábado, 18 de dezembro de 2010

O MELRO

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O melro, eu conheci-o:
Era negro, vibrante, luzidio,
Madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar ‘entre o arvoredo
Verdadeiras risadas de cristal.
E assim que o padre cura abria a porta
Que dá para o passal,
Repicando umas finas ironias,
O melro d'entre a horta
Dizia-lhe: «Bons dias!»
E o velho padre cura
Não gostava d'aquelas cortesias.

O cura era um velhote conservado
Malicioso, alegre, prazenteiro;
Não tinha pombas brancas no telhado,
Nem rosas no canteiro:
Andava às lebres pelo monte, a pé,
Livre de reumatismos,
Graças a Deus, e graças a Noé.
O melro desprezava os exorcismos
Que o padre lhe dizia:
Cantava, assobiava alegremente;
Até que ultimamente
O velho disse um dia:

«Nada, já não tem jeito! este ladrão
Dá cabo dos trigais!
Qual seria a razão
Porque Deus fez os melros e os pardais?!»

E o melro no entretanto,
Honesto como um santo,
Mal vinha no oriente
A madrugada clara
Já ele andava jovial, inquieto,
Comendo alegremente, honradamente,
Todos os parasitas da seara
Desde a formiga ao mais pequeno insecto.
E apesar disto o rude proletário,
O bom trabalhador,
Nunca exigiu aumento de salário.

Que grande tolo o padre confessor!

[...]

Guerra Junqueiro
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