segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

FOR WHOM THE BELL TOLLS

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João César das Neves publica hoje a habitual crónica no “Diário de Notícias”, de que sou leitor assíduo. Fala do WikiLeaks e diz coisas interessantes e úteis para quem gosta de perceber o mundo em que vivemos. Termina assim:

O fenómeno WikiLeaks é um espelho das tendências suicidas da sociedade mediática. A liberdade cria sempre expectativas superiores às possibilidades. Por isso, apesar dos ganhos indiscutíveis, sobretudo face às alternativas, multiplicam-se os desiludidos, indignados, revoltados, que usam a própria liberdade para a destruir. Isto aconteceu no início do século passado na Rússia, Itália e Alemanha com resultados catastróficos para o mundo. Agora o fenómeno renova-se com meios diferentes.

Os inimigos da democracia têm, no WikiLeaks e seus clones, instrumentos muito mais eficazes que um partido neo-nazi ou até uma célula terrorista. Fazendo-o em nome da liberdade. As massas de jovens rebeldes e progressivos que hoje adulam Julian Assange ficariam lívidos se o vissem comparado a Lenine, Mussolini ou Hitler. Nem reparam na semelhança entre a sua própria euforia e a dos jovens rebeldes e progressivos que há 80 anos vitoriavam os ditadores. Mas o paralelo é evidente até nos pormenores, como o culto de personalidade e o racismo.

A obsessiva presença da foto de Assange, o jovem e louro australiano, em todas as páginas do portal retoma práticas nazis ou estalinistas. Por outro lado, o facto de ser jovem, louro e australiano é decisivo no processo. Como reagiria o mundo e a corte de admiradores se o site fosse dirigido por um velho russo ou norte-coreano? Como seria considerada esta maciça bisbilhotice oficial se o rosto público fosse um terrorista muçulmano ou um banqueiro zarolho de nariz torto? O sucesso exige um hacker com aspecto de actor de cinema. Cada geração, dizendo-se isenta de discriminações e chauvinismo, tem tantos preconceitos como as antigas. São é diferentes. Por isso os ataques à sociedade livre surgem sempre do lado oposto dos anteriores. Hitler era o inverso do Kaiser, Napoleão o simétrico de Luís XVI.

Até aqui, tudo bem: concorde-se ou não, vai bem. A ideia de Hitler inverso do Kaiser não nos parece feliz, nem a de Napoleão simétrico de Luís XVI o é, mas aceitemos. Contudo,  acaba César das Neves:

Esta é a origem do velho provérbio de John Donne, repetido na novela de Hemingway (1940) e na canção dos Mettalica (1985): "nunca mandes saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti" (Devotions upon Emergent Occasions, 1624).


Chegado a este derradeiro trecho a perplexidade assalta-me. John Donne era poeta da corrente chamada “Metafísica” e o trecho citado não é provérbio, mas passagem do texto “Meditation XVII” na parte que a seguir se transcreve e traduz.

No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main; if a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were; any man's death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee.

Ou seja, aproximadamente, “Nenhum homem é uma ilha isolada em si mesmo; todo o homem é um pedaço de continente, parte da terra firme. Se o mar leva um torrão, a Europa fica menor, como se perdesse um promontório, ou a propriedade do teu amigo, ou a tua própria. A morte de qualquer homem diminui-me, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti."

Percebe o leitor facilmente o que John Donne quer dizer: toda a morte é morte de parte nossa. Ideia comum e banal actualmente, mas Donne viveu nos séculos XVI e XVII. Agora, de que forma isto entra no raciocínio de César das Neves sobre o Wikileaks,  não entendo. O defeito é meu. Aceito explicações, esclarecimentos, ou iluminação; com reconhecimento garantido.
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