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O princípio da selecção é de suma importância – isto não é hipotético. É certo que muitos dos nossos eminentes criadores têm, mesmo no espaço de tempo de uma só vida, modificado relevantemente as suas raças de bois e ovelhas. De forma a compreendermos em pleno o que eles fazem, é praticamente imprescindível ler alguns dos vários tratados que existem sobre este assunto, e também observar atentamente os animais. Por norma, os criadores falam do organismo animal como algo plástico, que podem modelar praticamente conforme lhes aprouver. Se tivesse espaço, poderia citar numerosos exemplos, de autoridades altamente competentes, que ilustram estas afirmações. William Youatt, talvez a pessoa que melhor conheceu os trabalhos dos agricultores, e que também era excelente avaliador de animais, fala do princípio de selecção como "o que permite ao agricultor não só modificar o carácter do rebanho, mas também que o altere completamente. É a varinha mágica por meio da qual pode dar vida a qualquer forma ou modelo que lhe agrade". Lord Somerville, ao falar do que os criadores fizeram com as suas ovelhas, diz: "É como se tivessem rascunhado numa parede a forma perfeita, e depois lhe tivessem dado vida". Na Saxónia, a importância do princípio da selecção em relação à ovelha-merino é tão reconhecida que os homens o utilizam comercialmente: os carneiros são colocados numa mesa e depois são observados e estudados, como o especialista faria perante uma pintura; isto faz-se três vezes, com intervalos de meses, e em cada vez os animais são marcados e classificados, para que o seleccionado para efeitos de procriação seja mesmo o melhor.
O nível que os criadores ingleses atingiram prova-se pelos preços elevados dos animais que têm bom pedigree; e tais animais são exportados para quase todos os cantos do mundo. Estes melhoramentos não são normalmente conseguidos através do cruzamento de diferentes raças; aliás, os melhores criadores opõem-se vivamente a esta prática, abrindo apenas excepção para sub-raças afins. E quando se faz o cruzamento, a selecção rigorosa é ainda mais indispensável do que nos casos normais.
Se a selecção consistisse apenas em separar algumas variedades e raças muito distintas, usando-as depois para procriarem, o princípio de selecção seria tão óbvio que podia ser digno de menção, mas não de discussão. A sua importância reside no grande efeito produzido pela acumulação, num determinado sentido e ao longo de gerações sucessivas, de diferenças absolutamente imperceptíveis ao olho humano, a menos que muito treinado – diferenças que em vão tentei apreciar. São menos de um em mil, os homens que têm precisão no olhar e capacidade de discernimento suficientes para serem criadores de renome. Se alguém tiver estas qualidades, estudar o assunto durante alguns anos, e dedicar toda a sua vida à criação com uma perseverança invencível, então será bem sucedido, e poderá conseguir melhoramentos extraordinários nas crias; mas a falta de uma que seja destas qualidades é suficiente para que falhe. Poucos estarão dispostos a acreditar na importância da capacidade natural e de anos de prática como requisitos para alguém se tornar simplesmente um bom criador de pombos.
Charles Darwin in “Variação Sob Domesticação” [A Origem das Espécies (1859)]
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