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Durante décadas, a seguir ao 25/4/74, crescemos pouco ou nada economicamente. Sem recursos, decidimos ter “aquilo a que temos direito”, expressão que se tornou no grito do Ipiranga dos portugueses. Pediu-se emprestado para consumo e não para investimento produtivo, de forma própria de pessoas pouco normais. Fizeram-se rotundas, pavilhões desportivos, piscinas municipais, auto-estradas sem estudos que as justificassem, vias rápidas, semi-rápidas e assim-assim, construiu-se um Estado Social complicado, cheio de situações fraudulentas e dispendioso, sem ter dinheiro para tal, participámos em missões de paz nas sete partidas do mundo, edificámos estádios de futebol que estão ao abandono ou quase, blá, blá, blá, e a dívida sempre a crescer: dez mil milhões, cinquenta mil milhões, noventa mil milhões, cento e sessenta mil milhões! Continuaria a bola de neve, não fosse a Divina Providência alertar os credores de que, provavelmente, nunca mais pagaríamos a conta e iriam ficar a arder. Há males que vêm por bem. A teta dos empréstimos secou e o endividamento desacelerou. Os socialistas, peritos neste género de procedimento, foram embora, Graças a Deus, e agora alguém resolva o problema, apague a luz e feche a porta.
Estamos na União Europeia, somos até do Eurogrupo, logo a Europa tem obrigação de ajudar a pagar as nossas dívidas, se não mesmo de pagá-las integralmente, em nome da solidariedade. Aquilo com que nos comprometemos quando aderimos à União e ao Euro não interessa. Foi conversa de encher chouriços, prontes.
João César das Neves diz hoje no jornal ”i”:
Nós estamos a destruir uma solução europeia e agora estamos a querer que os outros, por solidariedade com o nosso mau comportamento, entrem em acção. É evidente que eles têm de o fazer, porque há aqui uma questão de solidariedade. Mas só depois de eliminarmos os disparates que fizemos, e que põem em risco toda a Europa, teremos cara para pedir uma solução europeia. Há aqui uma dicotomia que não só é falsa como um bocadinho vergonhosa, a de dizer que a culpa da crise é da senhora Merkel.
Aí está.
A senhora Merkel não me parece grande espingarda, nem sequer muito lista, para usar um termo espanhol e dourar a afirmação. Mas tem toda a razão quando torce o nariz antes de ajudar gente que abusa dos bons sentimentos dos outros ao gastar aquilo que não tem e não pode pagar. Eliminemos os disparates no futuro, como diz João César das Neves, o que significa acabar com essa coisa “do que temos direito”, e passemos a usar conversa sensata: boa parte do decantado progresso pós 25 de Abril foi conseguido com dinheiro que não era nosso e que se suspeita não podemos pagar. Metamos isto, bem metido, nas nossas fracas cabeças. Melhor ainda: escrevamos num papel e colemos com "Araldite" na porta do frigorífico.
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