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Se passardes pelos olhos uma carta topográfica de Portugal, em cada província, em cada comarca, talvez em cada pequeno distrito, achareis escrito, ao lado de alguns desses sinais que marcam as povoações, a palavra Vila-Nova: Vila-Nova de Rei, de S. Cruz, de Gaia, de Cerveira;... que sei eu?―vilas-novas de todos os sobrenomes, e até vilas-novas de ninguém e de nada; vilas-novas espúrias.
Vila-nova é o dom municipal, o dom vilão; porque, por extravagante anti-frase, vila-nova quase sempre indica um antigo burgo com suas rugas de velhice, com seu castelo desmoronado, com seus vestígios de templo ou de palácio da meia-idade. Vila-nova moderna, sem pedras amarelas, tombadas, ogivais, é coisa descomunal, milagrosa, e ao rés do impossível. É que o passado, remoto, remotíssimo, como o imaginardes, já foi presente, e então a vila que se alevantava ou no desvio, até aí inculto e intratável, ou sobre os vestígios de povoação desabitada e destruída, era realmente nova; mas os seus edificadores esqueciam-se, ao dar o nome à obra das próprias mãos, que eles passariam bem depressa e com eles a mocidade da sua filha querida; esqueciam-se de que o correr dos anos brevemente havia de converter em palavra sem sentido essa denominação que lhes parecera tão clara e precisa. Aos primeiros respiros de paz e segurança, depois das guerras bárbaras de religião e de raça que devastaram outrora este solo português, o espírito municipal ia semeando os concelhos ao passo que debaixo dos marcos das fronteiras cristãs se embebia o território muçulmano, e então acontecia que o burgo, recentemente plantado em terra até aí erma e safara, ou sobre as ruínas carcomidas de município romano ou godo, sentindo-se cheio de vida e de esperanças, folgava de contar ao mundo no próprio nome a sua juventude, e tomava para si o titulo tão querido, tão popular, tão casquilho ― de Vila-Nova. [...]
Vila-nova é o dom municipal, o dom vilão; porque, por extravagante anti-frase, vila-nova quase sempre indica um antigo burgo com suas rugas de velhice, com seu castelo desmoronado, com seus vestígios de templo ou de palácio da meia-idade. Vila-nova moderna, sem pedras amarelas, tombadas, ogivais, é coisa descomunal, milagrosa, e ao rés do impossível. É que o passado, remoto, remotíssimo, como o imaginardes, já foi presente, e então a vila que se alevantava ou no desvio, até aí inculto e intratável, ou sobre os vestígios de povoação desabitada e destruída, era realmente nova; mas os seus edificadores esqueciam-se, ao dar o nome à obra das próprias mãos, que eles passariam bem depressa e com eles a mocidade da sua filha querida; esqueciam-se de que o correr dos anos brevemente havia de converter em palavra sem sentido essa denominação que lhes parecera tão clara e precisa. Aos primeiros respiros de paz e segurança, depois das guerras bárbaras de religião e de raça que devastaram outrora este solo português, o espírito municipal ia semeando os concelhos ao passo que debaixo dos marcos das fronteiras cristãs se embebia o território muçulmano, e então acontecia que o burgo, recentemente plantado em terra até aí erma e safara, ou sobre as ruínas carcomidas de município romano ou godo, sentindo-se cheio de vida e de esperanças, folgava de contar ao mundo no próprio nome a sua juventude, e tomava para si o titulo tão querido, tão popular, tão casquilho ― de Vila-Nova. [...]
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Alexandre Herculano in “Opúsculos”
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