terça-feira, 18 de abril de 2017

FAZER OU NÃO COLHERES DE PAU ?

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Nelson Cunha Mello é um brasileiro, homem de sete instrumentos — actor, professor, estudioso da língua portuguesa e escritor. Escreveu agora um livro intitulado " Conversando é que a gente se entende", autêntico dicionário de expressões populares, onde fui procurar a expressão "fazer colheres de pau" e já se vai perceber porque procurei a expressão. Fazer colheres de pau, segundo Cunha Mello, é praticar actos surpreendentes, ou "do arco da velha". Não tinha essa ideia, mas baixo as orelhas porque não sei, aceito e não faz grande diferença para o discurso que preparei. 
Não faz diferença porque o discurso é mesmo sobre fazer colheres de pau, literalmente: tal e qual — cortar o ramo da árvore e, com ferramenta apropriada, moldar uma ou mais colheres de pau para servir saladas e similares. A ideia não é minha, mas vem num jornal que convém ter ao alcance da mão, o "The Times"!
Fazer colheres de pau é o hobby da moda na Inglaterra actual, suspeito que predominantemente de gente pouco ocupada em "ganhar a vida", mas também dos tempos livres de quem trabalha. Fazem-se viagens a locais onde há madeira adequada e investe-se em ferramenta própria, incluindo os machados para amputar ramos às árvores. Fazer colheres de pau é o equivalente, para os dois sexos, ao tricot ou renda para as mulheres e ao construir pombais, gaiolas, ou aquários para os homens. É assim uma coisa como cozer pão ou fazer iogurtes em casa, mas mais sofisticada - exige criatividade, habilidade manual e dedicação, mais que ser pescador lúdico. No Instagram a hashtag #spooncarving aparece mais de 50.000 vezes.
O objectivo de fazer colheres de pau não é acabar por ter uma colher de pau, ou mais uma colher de pau. Fazer colheres de pau é o objectivo em si mesmo — a colher é o sub-produto da actividade, um efeito secundário, como se diz em Farmacologia dos efeitos não desejados dos medicamentos. Pode ser comercializada, é verdade, mas também pode ser guardada em mostruários feitos pelo próprio (outra vantagem), oferecida aos amigos como prenda de aniversário, armazenada na garagem e queimada no fogão durante o Inverno, ou oferecida à Rainha, ou a Marcelo "Esteves", para apagar incêndios (ver post em baixo). Na verdade, a pior coisa é vender — vender cheira a negócio, a vida quotidiana, a comércio, até a emprego. Vender?...Jamé!...
Parte importante da arte é o manejo do machado para obter o ramo de árvore adequado. Bem praticada, a repetição do movimento revela-se um acto meditativo, ao nível da melhor filosofia oriental. A maior parte dos fazedores de colheres de pau é constituída por gente que, na vida, faz um trabalho que não os realiza — ou porque estão fartos, ou porque nunca tiveram vocação, ou porque é pura rotina, sem necessidade de criatividade, e aqui é que reside a diferença: criatividade é das coisas psicologicamente mais estimulantes para a cabeça do Homo sapiens. E o mundo moderno, com a fast-food, o telemóvel, os computadores, as máquinas de calcular, a Internet — o mundo à distância de um teclado  tornou a criatividade dispensável. Ninguém aguenta isso! O homem das cavernas foi o exemplar mais criativo do género Homo: precisava para sobreviver. Infelizmente, evoluiu até ao que se vê hoje, um janota licenciado em qualquer coisa que não consegue multiplicar 3 X 17 sem máquina de calcular! Se não faz colheres de pau, como sobrevive mentalmente?
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