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Os padres das missões subdividem-se em dois grupos diferentes: os aventureiros e os místicos.
Os aventureiros viajam ordinariamente para a África por especulação temporal, por amor à vida de emigrante, à lavoura dos trópicos, ao lucro mercantil, à intriga da política colonial e à batota ultramarina. De quando em quando, ao aparecerem-lhes à mão, arrebanhados, alguns centos de pretos mansos e sonolentos, baptizam-nos em massa - cerimónia tocante a que os pretos se submetem adormecidos como verdadeiros justos, cônscios por experiências feitas de que essa operação, altamante civilizadora posto que inofensiva, os não torna nem mais nem menos pretos do que eles são.
Os místicos, mais raros, são pessoas doentes da alucinação do martírio. A sua ambição suprema consiste em serem comidos às fatias fritas, com mandioca, pelas raças antropófagas. Logo que se julgam suficientemente temperados com o latim preciso para excitar a gula canibalesca e assaz tenros de carne pela vida de capoeira aos comedouros dos seminários, vestem-se com os trajes de D. Basílio no “Barbeiro de Sevilha”, metem um breviário debaixo do braço e embarcam para regiões inóspitas e selvagens.
Uma vez em comunicação com os infiéis, nunca mais cessam de lhes meter o breviário em cruz entre a boca e o prato, até conseguirem realizar a sua aspiração suprema, que é não restar deles mais que uma batina e um par de sapatos, deitados para debaixo da mesa juntamente com as cascas dos legumes, e dois canibais a palitarem os dentes, e, a dizerem um para o outro:
- Saboroso padre! benza-o Manipanso.
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Os padres das missões subdividem-se em dois grupos diferentes: os aventureiros e os místicos.
Os aventureiros viajam ordinariamente para a África por especulação temporal, por amor à vida de emigrante, à lavoura dos trópicos, ao lucro mercantil, à intriga da política colonial e à batota ultramarina. De quando em quando, ao aparecerem-lhes à mão, arrebanhados, alguns centos de pretos mansos e sonolentos, baptizam-nos em massa - cerimónia tocante a que os pretos se submetem adormecidos como verdadeiros justos, cônscios por experiências feitas de que essa operação, altamante civilizadora posto que inofensiva, os não torna nem mais nem menos pretos do que eles são.
Os místicos, mais raros, são pessoas doentes da alucinação do martírio. A sua ambição suprema consiste em serem comidos às fatias fritas, com mandioca, pelas raças antropófagas. Logo que se julgam suficientemente temperados com o latim preciso para excitar a gula canibalesca e assaz tenros de carne pela vida de capoeira aos comedouros dos seminários, vestem-se com os trajes de D. Basílio no “Barbeiro de Sevilha”, metem um breviário debaixo do braço e embarcam para regiões inóspitas e selvagens.
Uma vez em comunicação com os infiéis, nunca mais cessam de lhes meter o breviário em cruz entre a boca e o prato, até conseguirem realizar a sua aspiração suprema, que é não restar deles mais que uma batina e um par de sapatos, deitados para debaixo da mesa juntamente com as cascas dos legumes, e dois canibais a palitarem os dentes, e, a dizerem um para o outro:
- Saboroso padre! benza-o Manipanso.
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Ramalho Ortigão in "As Farpas"
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