domingo, 12 de maio de 2019

MILITANTES DA INTOLERÂNCIA EM NOME DE DEUS OU DA SUA INEXISTÊNCIA

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No dia do incêndio da Notre-Dame em Paris, Emmanuel Macron dirigiu uma 
palavra especial aos católicos franceses. Fernanda Câncio, sempre vigilante, não gostou da ideia e queixou-se no Twitter. Do outro lado do mundo, do outro lado do espectro político, num gesto visto por muitos como uma forma de limitar a influência crescente da comunidade islâmica, a Coalition Avenir Québec de François Legault pretende proibir os funcionários públicos de usarem qualquer símbolo religioso. Um e outro gesto remetem-nos para aquilo que, no meu entender, é uma interpretação profundamente errada e perversa do ideal laico.
 O ideal laico, tal como eu o entendo, é inseparável da ideia liberal. O princípio segundo o qual o Estado nada pode em matéria espiritual e a Igreja nada pode em matéria temporal estão, aliás, claramente afirmados na Letter Concerning Toleration de Locke, de 1689. O ideal laico é, aliás, quando bem entendido, essencialmente um ideal de tolerância. É uma importante conquista civilizacional inseparável das guerras religiosas europeias que nasce para permitir que diferentes confissões e credos possam florescer na sociedade em situação de absoluta igualdade. O Estado laico, por conseguinte, “não apenas salvaguarda a autonomia do poder civil de toda a forma de controlo exercido pelo poder religioso, mas, ao mesmo tempo, defende a autonomia das Igrejas nas suas relações com o poder temporal que fica impedido de impor aos cidadãos a profissão de qualquer ortodoxia confessional. Nesse sentido, a reivindicação da laicidade não interessa apenas às correntes laicistas mas, também, às confissões religiosas minoritárias que encontram, no Estado Laico, as garantias para o exercício da liberdade religiosa”. 
Ora se o ideal laico pressupõe nada menos do que isto, também é verdade que – e é aqui que começam os problemas – não pressupõe nada mais do que isto. Secularismo não é, pois, sinónimo de anticlericalismo nem de ateísmo de Estado. Os liberais clássicos bateram-se contra o poder absoluto das religiões, não se bateram pela abolição da religião tout court. O secularismo não tem como objectivo “limpar o Mundo de qualquer vestígio religioso”. [...]
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Pedro Norton in "Visão"
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