segunda-feira, 19 de julho de 2010

PÉROLAS LITERÁRIAS


[...] Calisto Eloi de Silos e Benevides de Barbuda queria que se venerasse o passado, a moral antiga como o monumento antigo, as leis de João das Regras e Martim de Ocem, como o mosteiro da Batalha, as ordenações manuelinas como o convento dos Jerónimos.
O mal que daqui surdia ao género humano, a falar verdade, era nenhum. Este bom fidalgo, se lhe tirassem o sestro de esmiuçar desdouros nas gerações das famílias patriciatas, era inofensiva criatura. Deste senão, a causa foi um chamado “Livro-negro”, que herdara de seu tio avô Marcos de Barbuda Tenazes de Lacerda Falcão, genealógico pavoroso, o qual gastara sessenta dos oitenta anos vividos, a coligir borrões, travessias, mancebias, adultérios, coitos danados, e incestos de muitas famílias naquelas satânicas costaneiras, denominadas “Livro-negro das linhagens de Portugal”.
Em suma, Calisto era legitimista quieto, calado, e incapaz de impecer a roda do progresso, com tanto que ele não lhe entrasse em casa, nem o quisesse levar consigo. [...]

Camilo Castelo Branco in “A Queda dum Anjo”

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