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Morreu recentemente e de forma trágica um jovem que, na terminologia dos media, era uma figura pública. Em consequência, tivemos os jornais cheios de notícias com pormenores das condições da morte, das reacções de familiares e amigos e outras banalidades. E, nas secções de comentários das edições online, um ror de prosa: literatura para todos os gostos: considerações acacianas sobre estilos de viver, sobre normas de segurança rodoviária, sobre a volatilidade da vida; enfim, um horror. Falo nisto porque a leitura de tal chorrilho opinativo me fez pensar nos sete pecados capitais. Estranho, não? Acho que sim. Mas passo a explicar.
Em tempos, quando tinha a oportunidade de conversar esporadicamente com um doutor da Igreja que acumulava com a condição de doente da pele, falámos sobre aqueles pecados, ditos capitais: sobre a sua origem, história em geral e evolução no catolicismo, sobre um que já foi chamado inicialmente de melancolia, e depois preguiça e indolência e nunca se percebeu muito bem o que era, e por aí fora. E também fazíamos conjecturas sobre qual seria o mais frequente. A este respeito, devo dizer que a audiência a estas conversas quase teológicas era mais ou menos unânime em considerar que a luxúria ocupava o lugar de cima do pódio. Eu não estava de acordo e continuo a pensar o mesmo. Agora ainda mais, especialmente depois de ler a prosa bárbara das caixas de comentários dos jornais que referi.
No meio de discursos muito primários uns, sofrivelmente diferenciados outros, ou até evoluídos, surgem frequentemente, camufladas com palavras compungidas, considerações subliminares de crítica ao estilo de vida, ao modo como foi atingido o status económico e social, à injustificação da popularidade, ou à forma como os proventos eram conseguidos. No fundo, bem no fundo, manifestações inconscientes de inveja que não permitem esconder alguma satisfação com o fim de tal situação privilegiada, apesar da forma trágica como ocorreu.
Esta é uma maneira de pensar, de ver o mundo, de conviver com a sociedade e de falar, observável diariamente no café, no local de trabalho, na esquina da rua, ou na paragem do autocarro. Boa parte das críticas feitas aos poderosos, aos ricos, aos bem sucedidos, até aos felizes e saudáveis, decorrem da inveja. Estimo que 10% da motivação dessas críticas é determinada pela razão e 90% pela inveja. Se tivesse que votar no pecado capital mais frequente, não hesitaria em pôr a cruzinha à frente da inveja. E, já agora, se me fosse dada a oportunidade de o fazer, acabava com essa coisa da melancolia, da indolência, ou da preguiça, por ser matéria difícil de qualificar e não quantificável, mesmo para os maiores especialistas em pecados capitais.
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