segunda-feira, 10 de abril de 2017

O "ENA", O EU, O VÓS E O NÓS

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Pormenor do quadro Young Moe (1938) de Paul Klee 
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O erro de Descartes, segundo Damásio, terá sido a não apreciação de que o cérebro não foi apenas criado por cima do corpo, mas também a partir dele e junto com ele. Daí que, provavelmente, a mente é formatada sob influência orgânica, logo com margem de manobra restrita ou limitada — seremos o que está escrito nos nossos cromossomas.
Sou um nabo para falar disto, mas parece-me bem o que diz Damásio, apesar de um dia me ter "entalado" o carro, obrigando-me a esperar um ror de tempo para sair do hospital. Contudo — e nestas matérias há sempre "contudos" — opinam alguns, não contrariando Damásio de todo, que a mente dependerá mais do meio que do "orgânico", o mesmo que dos cromossomas.
Por exemplo, uma senhora chamada Abeba Birhane, a fazer o doutoramento em Ciência Cognitiva na Universidade de Dublin e autora de um ensaio no AEON Magazine que começa assim (a tradução é minha, pelo que peço tolerância para a forma): "De acordo com a Filosofia do povo Ubuntu, com origem na antiga África, um recém-nascido não é uma pessoa. Os "humanos" nascem sem "ena" — ou "eu" — e adquirem-no com o tempo, através de experiências. Por isso, a separação "eu"/"outro", ou "eu"/"outros", axiomática na Filosofia Ocidental, não é clara para o povo Ubuntu. Como diz o filósofo queniano Johm Mbiti, no livro African Religions and Philosophy (1975), "Eu sou porque nós somos e, desde que nós somos, eu sou".
Decartes teria visão mais egocentrista. Achava que a única certeza é o nosso próprio cogito — o que pensamos. Os "outros" são fenómenos erráticos e caprichosos que não têm nada a ver com a constituição básica do "eu" que é, necessariamente, um todo independente, coerente  e contemplativo.
O ensaio de Abeba Birhane tem 1.300 palavras. Eu acabei de escrever 292, mas acho que já disse tudo de que a autora fala. Faltam-me apenas algumas variações literárias para que não tenho engenho. Não quero dizer com isto que não sejam importantes: por isso, convido o leitor — se chegou até aqui  — a digerir o original, desejando-lhe boa leitura. And a great "ena" for you!
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