quarta-feira, 12 de abril de 2017

VOU ESCREVER-TE UMA CARTA

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Um ciclone pode arrasar uma cidade, mas não consegue abrir uma carta.
Paul Valéry
Nos Estados Unidos, o correio tradicional (snail mail, ou correio caracol) distribui mais lixo (junk mail) que correio normal; as estações de correio nas pequenas povoações fecham umas atrás das outras; e a distribuição aos sábados está em vias de extinção. Ao mesmo tempo, todos s dias, no planeta Terra, são enviados mais de 200 mil milhões de emails e mais de 15 mil milhões de mensagens SMS. É de cair de cauda!
Há quem não goste do referido, embora se  esteja mesmo a ver que reagir não adianta nada — lutar contra é coisa para D. Quixote. Os campeões da insurgência contra a corrente actual são sobretudo mulheres intelectuais, consequentemente campeãs. E que dizem elas? Muitas coisas e bem ditas.
A carta liga duas pessoas de forma privada, mesmo quando o conteúdo é conhecido de toda a gente. É estúpido isto, mas é verdade. A carta é escrita quase sempre à mão — como deve ser —, metida num envelope fechado por quem a escreve — como deve ser — transportada assim fechada e aberta só pelo destinatário — como deve ser — e guardada por este em local da sua privacidade.
Mas não é isto o mais importante. A carta é um objecto que saiu das mãos de quem a enviou que vem ao contacto das mãos de quem a recebe — além de conteúdo mental, ou espiritual, tem corpo ou conteúdo físico. E foi escrita com toda a mão e não com a ponta dos dedos a martelar no mesmo teclado com que se navega para o jornal Avante, ou para o Diário da República.
Por outro lado, correspondência significa quase sempre resposta, e resposta pensada, reflectida, ponderada e adiada se for necessário. Email ou SMS é para responder na hora ou, pior ainda, no minuto, o que em boa parte dos casos "dá bota" por falta de reflexão.
Podia alinhar mais argumentos a favor do snail-mail. É verdade. Mas há quem o saiba fazer melhor — por exemplo, Siobhan Phillips, num artigo que pode ler aqui. E deve ler.
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