domingo, 3 de julho de 2011

O BEIRÃO ANFÍBIO

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Descendo ao litoral, o beirão é anfíbio: pescador e lavrador. A lavoura nasce do mar: os carros são barcos, adubos o moliço de algas e mariscos. Ao lado de um talhão de milho está uma marinha de sal. O mar insinua-se pelos canais retalhando a planície, em cujo centro, como uma artéria, corre placidamente o Vouga. A três léguas da costa vê-se fundeado um barco: as mulheres cozem as redes, ao lado, sobre a terra húmida e negra, que os bois lavram, ou o cavador abre à enxada. O calor, a humidade permanente, fazem germinar breve as sementes, multiplicam as colheitas, e as febres. Essa paisagem deliciosa e original, indecisa entre o mar e a terra, e que nos enche de vivo prazer, quando a dominamos desde os altos de Angeja à raiz das montanhas, atrai-nos como a sombra da manzanilha, cheia de frescura e veneno. Os elementos, confundidos, vingam-se da temeridade dos homens.
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Oliveira Martins in "História de Portugal"
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