Depois dos Estados Unidos, é a França que, em todo o mundo, mais dinheiro gasta com serviços de informação. A seguir ao Paquistão, o país dispõe do melhor conhecimento sobre a Al-Qaeda. Custa caro, mas os franceses acham que vale a pena a despesa. Esta tradição gaulesa foi iniciada por um homem, curiosamente pouco conhecido de muita gente, chamado José Fouché.
Fouché nasceu em 1759 e foi mandado educar pelos pais numa ordem religiosa, onde viria a tomar ordens menores e a dedicar-se ao ensino do Latim, Matemática e Física. Com a chegada da Revolução Francesa, descobriu que a religião não era vocação e fez-se revolucionário, primeiro com os Girondinos, depois com os Jacobinos. E que revolucionário!
Apoiante do reino do terror, presidiu à matança de mais de 1.900 almas em Lião. Pro-consul, atacou o que restava da nobreza, despojando-a de terras e outros bens; tornou-se ateu e anticlerical convicto: proibiu o uso de vestes eclasiásticas e acabou com o celibato dos padres ao dar um mês a cada um para casar ou adoptar um filho; pôs termo aos funerais religiosos, e a inscrição “A Morte é o Sono Eterno” foi colocada sobre a porta de todos os cemitérios.
Eleito para a Assembleia Nacional com 32 anos, já depois da prisão de Luis XVI, votou em 1793 a favor do regicídio. E, depois de nove ministros da polícia não terem correspondido às expectativas revolucionárias, foi escolhido pelo Tribunal Revolucionário para o cargo, onde viria a revelar-se mestre. Fouché foi o criador do estado policial e dos serviços de informação e contra-informação modernos, incluindo a eficiência, a falta de escrúpulos e os golpes sujos que os caracterizam quase sempre.
Quando percebeu que tinha caído na mira de Robespierre, e que só Napoleão podia salvar a França, e sobretudo a ele, pôs a máquina secreta ao serviço do general. O primeiro acto deste, no que respeitava à polícia, foi nomeá-lo para o novo posto de Ministro da Polícia do Consulado. O sanguinário de Lião, tornou-se subitamente conciliador e defensor da ordem e tranquilidade, organizando a mais formidável corporação policial de sempre, com serviços de informação nacionais e internacionais notáveis. Seis dias por semana enviava a Napoleão relatórios que incluiam a reacção do público a novos espectáculos, valores da bolsa, deserções no exército, notícias de crimes, incêncios registados, reacções contra a Gendarmerie, suicidios, extractos da correspondência entre ministérios, novas construções, correspondência interceptada, prisão de agentes estrangeiros, resultados de interrogatórios, actos de indisciplina de soldados, e por aí fora. Num dos relatórios, constam 23 itens.
Os polícias, tal como Fouché, viam na organização a oportunidade para enriquecer e não só. Muitos delatores eram criminosos a quem prometia impunidade em troca de informações. Quando necessário, armava ciladas a gente honesta, implicando-a em crimes e exigindo colaboração para apagar o registo criminal. No exército todos eram vigiados, desde o soldado ao marechal, e todos sabiam disso. Usava agentes duplos e espalhava a contra-informação com a maior inteligência. E, claro está, as fichas pessoais eram completas e rigorosamente actualizadas. Segundo ele próprio proclamava, era impossível que três homens reunissem e falassem sobre assuntos públicos sem que ele soubesse no dia seguinte.
Com a queda de Napoleão e o exílio para Santa Helena, Fouché foi demitido e exilado. Sorte, pois foi acusado de ser colaborador no regicídio. Foi para Trieste, onde viria a morrer no dia de Natal de 1820. Um génio, um traste e, provavelmente, um homem com pouca sanidade mental.
Nota: A biografia de Fouché, por Stefan Zweig, é um livro apaixonante que recomendo vivamente.
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