domingo, 13 de junho de 2010

FIALHO, GATOS, FARPAS E MAIAS


Não obstante ser admirável ficcionista, Fialho de Almeida destacou-se pela faceta de cronista panfletário impiedoso. Ele próprio reconhecia ser um prosador colérico, por vezes excessivo e injusto. Inexplicavelmente, às tantas envolveu-se em polémica com Eça a propósito do romance “Os Maias”.
Profundo admirador de Eça a quem “O Crime do Padre Amaro” e “O Primo Basílio” marcaram na juventude, não gosta de “Os Maias” e diz e escreve que o romance é um «trabalho torturante, desconexo e difícil de um homem de génio que se perdeu num assunto, e leva 900 páginas a encontrar-lhe saída.» E avança: “Os Maias” não passa de «um livro estrangeiro, que não conhecendo da vida portuguesa senão exterioridades, cenas de hotel, artigos e jornais, e compte-rendus de repórteres palavrosos, desatasse a apreciar-nos através de três ou quatro observações mal respigadas, e a inferir por intermédio da fantasia satírica, tudo o mais.»
Em carta endereçada a Fialho e respondendo à acusação de, naquele romance, ter utilizado personagens caricaturais, estereotipadas, decalcadas de outras suas, Eça diz: «Em Portugal há só um homem – que é sempre o mesmo ou sob a forma de dândi, ou de padre, ou de amanuense, ou de capitão: é um homem indeciso, débil, sentimental, bondoso, palrador, deixa-te ir; sem mola de carácter ou de inteligência, que resista contra as circunstâncias. É o homem que eu pinto – sob os seus costumes diversos, casaca ou batina. É o português verdadeiro. É o português que tem feito este Portugal que vemos.»
Fialho, escritor de génio, capaz de brilho inesperado mesmo quando põe o talento ao serviço do ”mau feitio”. Eça, também ele mordaz e impiedoso, um dos mais perspicazes analistas da sociedade portuguesa, que pouco mudou desde então; se excluirmos a ausência de homens como eles.
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