[...] Não havia, contudo, figura da história aperfeiçoada pela lenda que fosse mais popular em França que Joana d’Arc, La Pucelle. Também nenhuma outra concorda mais estreitamente com os gostos, os ideais e as qualidades melhores da raça francesa. Em primeiro lugar, é mulher, e moça, e bela, e loura, e soberbamente feita, como afirmam todas as crónicas, desde a Espanhola até à de João de Metz – e isto desde logo a devia tornar querida a um povo tão sensível, como o francês, às graças e influências da formosura, ao povo que verdadeiramente criou, no culto da Virgem, o culto da mulher, rainha de graça. Depois saíra da plebe, de uma família de lavradores da aldeia de Domremy, na Lorena, que da servidão dos senhores de Joinville tinha passado para o directo domínio da coroa, que trabalhavam a terra por suas mãos ou pastoreavam o gado, enquanto ela ficava fiando à lareira com a mãe, numa simplicidade de vida tão grande que nunca soube ler nem escrever – e a humildade desta origem naturalmente encantou sempre a gente humilde que, no fundo da Inspirada, da companheira do rei de França, encontrava uma irmã em ignorância e pobreza, coberta com um mau saiote escarlate, uma paupercula bergereta. Depois a sua acção no mundo é de guerreira que assalta as muralhas, ergue um pendão, desbarata hostes – e esta é a glória mais amada e popular entre a raça gaulesa, raça de guerra e de ruído, cujo génio não foi ao princípio senão movimento e conquista, e que, como diz Estrabão, é «doida pela espada e sempre sôfrega de brigas». Depois a sua missão foi expulsar o verdadeiro inimigo da França, o inglês invasor; e nenhuma outra poderia exercer mais prestígio entre um povo que conserva como uma das formas do patriotismo a antipatia tradicional pelo Anglo-Saxónio. Enfim, tão profundamente francesa é Joana d’Arc que permanece absolutamente francesa, mesmo naqueles estados de alma que são mais alheios ao génio da França – os de alucinação e de inspiração mística. [...]
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Eça de Queirós in “Cartas Familiares de Paris”
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Eça de Queirós in “Cartas Familiares de Paris”
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