quinta-feira, 1 de julho de 2010

OS LIVROS QUE NÃO LEMOS


[...] Os monumentos só dizem do povo; mas a pedra da lareira, ou o ladrilho do forno, o gancho da candeia, ou a asa da ânfora vinária dos banquetes, dizem da família. Em derredor de cada coisa destas ressurgem também uns ecos de vozes enterradas há muitos séculos; confusos, mas a todos inteligíveis e suaves, de donas, de donzelas, de velhos e meninos, dos animais caseiros, dos passarinhos e virações do céu, do sussurro das plantas, dos sons, em suma, de tudo que nesses tempos apartados foi, e feneceu, deixando de si menos vestigio, que a humilde talha do vinho, e a lâmpada que alumiou calada os prazeres ou os sonos de seus senhores.
Os monumentos são artificiais, e artificiosos; são estudados, e enfáticos; a história que eles rezam é fria. Mas cá, o romance que engenhamos, ajeitado às memórias e saudades do nosso mesmo passado, é todo perfumado de Natureza; a mentir nos diz verdades. [...]
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António Feliciano de Castilho in “O Presbitério da Montanha”
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