segunda-feira, 5 de julho de 2010

A PROPÓSITO DA MORTE DE FIALHO

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«Quantos Fialhos, todos diferentes, tenho conhecido pela vida fora!», diz Raul Brandão. E continua: «Este, de ventre e barbicha de bode, esta figura de que os mortos se conseguiram apoderar, agarrado à terra, conservador, discutindo com o padre da freguesia os melhoramentos da sua igreja, este é – enfim! enfim! – o descendente autêntico dos cavadores alentejanos. Custou... As suas melhores obras – as que sonhou e nunca se resolveu a escrever – leva-as ele para a cova... De quando em quando ainda tem uma revolta: – É horrível a vida na aldeia. Se não fossem os livros, já me tinha suicidado. Cada vez preciso mais de ver gente e desta vida artificial de Lisboa. Na aldeia, em Cuba, não falo com ninguém, não tenho ninguém com quem comunicar. São de bronze aqueles filhos da p...! E nem a mais pequena sombra de sensibilidade. E se imaginam que a gente não tem dinheiro, estamos perdidos!... – Fuja. – Não posso. Quem me há-de tratar daquilo? E, depois, criei interesse às oliveiras que plantei, à vinha... Ah, mas as noites!... Tenho noites em que pego num livro e saio. Há uma estrada em volta de Cuba – e eu ali ando à roda, toda a noite, a falar sozinho como um condenado!»

Entretanto a República é proclamada e Fialho, que, exceptuando o curto período da sua sectária e fútil adesão ao franquismo, outrora tanto e tão acerbamente criticara a moribunda instituição monárquica, não se dá melhor com o novo regime. As suas aceradas e felinas garras continuam a arranhar - agora a sensível pele da jovem República, a republiqueta, no seu peculiar dizer: «Dada a ignorância e o desmazelo relaxado, que foi o que a Monarquia legou às classes médias, dadas as tendências vaziamente exibicionistas, que foi o que o partido republicano deu às multidões, a República, como forma de governo, há-de reproduzir todos os fracassos da Monarquia... Na essência, o País ficará o mesmo. Que digo eu? Ficará pior.» Não é por isso de estranhar que fanáticos paladinos do barrete frígio, juntamente com alguns «republicanos de 11 de Outubro», lhe caiam furiosamente em cima. Conta Raul Brandão: «Morreu anteontem, em Cuba, o Fialho de Almeida. Diz-se por aí que se suicidou. Duvido. Sei que sofria do coração e que ultimamente vivia num sobressalto porque todos os dias recebia cartas anónimas por causa dos artigos que escrevia para o Brasil. Queixava-se amargamente «desta republiqueta».

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