A selecção natural descrita por Darwin, a sobrevivência dos mais aptos, a evolução biológica e temas assim são matérias frequentemente referidas neste espaço. Explicam muito do que existe hoje na biosfera e permitem compreender fenómenos que, na ausência do seu conhecimento, seriam completos enigmas. São coisas da História? Estamos tranquilos porque não é coisa para nos afectar no curto período que é a vida de cada um? Puro engano! Nas nossas barbas, ocorrem fenómenos de selecção natural, de sobrevivência dos mais aptos e de evolução biológica que nos ameaçam e já matam muita gente todos os dias.
Estou a falar da resistência das bactérias aos antibióticos, fenómeno que ameaça a humanidade. Anualmente, morrem 25.000 europeus vítimas de infecções por agentes resistentes aos antibióticos e, no mundo, 650.000 almas sucumbem à tuberculose por bacilos multi-resistentes, metade das quais não teriam nenhuma solução mesmo nas mais sofisticadas condições de assistência médica. Caminha-se para a era negra pré-antibiótica e não falta muito para se morrer de uma infecção estreptocócica da garganta, ou de uma ferida traumática no joelho da criança que caiu a jogar futebol. E porquê?
Pois a resposta é a selecção natural. Os antibióticos são usados sem critério, seja no tratamento de doenças em que não têm indicação, como a gripe por exemplo; seja na prevenção de infecções, na maioria dos casos asininamente; ou em doses sub-terapêuticas que não afectam os micro-organismos; ou na pecuária, em verdadeiras “fábricas de proteína”, para evitar as infecções e engordar os bichos sem sobressaltos (administram-se mais antibióticos a animais saudáveis do que a animais doentes); blá, blá, blá.
Que resulta de tais práticas? As bactérias sensíveis morrem de facto. Mas, no meio da multidão que é a população microbiana duma infecção, há sempre alguma ou algumas estirpes que têm resistência natural ao antibiótico usado. Essas sobrevivem. E, sem a concorrência das que foram eliminadas, multiplicam-se muito bem – mesmo muito bem. E, se passam a outro hospedeiro - novo doente - aquele antibiótico vai-se revelar inoperante: está instalada a resistência por selecção natural.
Mas há outros mecanismos. Sobretudo quando a dose do medicamento é sub-terapêutica, a bactéria, ou algumas delas, têm oportunidade de modificar o metabolismo de forma a contornar o passo em que o antibiótico actua. E, conseguido isso, transmitem tão preciosa qualidade à descendência – quando surgiu a penicilina, as infecções estafilocócicas eram canja: com uma ou duas injecções para uma infeccção respiratória, por exemplo, viam-se desaparecer num relâmpago todas as pequenas pústulas que eventualmente existissem na pele. Reparem no que acontece hoje às pústulas, o que é fácil de fazer – acontece nada.
Dir-se-á que a solução é inovar permanentemente no
fabrico dos antibióticos. Teoricamente é. Na prática a teoria é outra. As
indústrias farmacêuticas não são instituições de caridade, está bem de ver.
Devem-se-lhes enormes benefícios pelo investimento que fazem em inovação e
investigação, é verdade. Ganham muito dinheiro, é verdade. Mas temos o direito
de lhes pedir que suportem prejuízos, em nome do bem da humanidade? Talvez
tenhamos. Mas elas, suspeito, acham que não – pontos de vista! O facto é que as
indústrias farmacêuticas estatais nunca descobriram nada de jeito; isto é, sem
lucro não há inspiração.
E porque falo de prejuízos nesta coisa dos antibióticos?
Então, não custam eles um dinheirão que enche os bolsos dos farmacêuticos, das
farmácias, e das indústrias a montante? Dos farmacêuticos e das farmácias não
sei. Da indústria sei que é complicado, porque investem rios de dinheiro para
desenvolver um antibiótico novo contra o estafilococo, ou contra o bacilo
multi-resistente da tuberculose, colocam-no no mercado e, dentro de um ano ou
coisa parecida, as bactérias desenvolveram resistência ao medicamento e o
negócio vai por água abaixo – é muito mais tranquilo investir em tratamentos da
diabetes, da hipertensão arterial, da disfunção eréctil e coisas assim.
Vamos apertar as grandes farmacêuticas! Apertem, sim,
apertem. Mas não apertem muito. É que a indústria farmacêutica é a quinta do mundo,
se considerarmos as finanças uma indústria, que será a quarta. Antes dela, só a
dos automóveis, a das armas e a da energia, terceira, segunda e primeira,
respectivamente. O camarada Fidel já apertou e não se deu muito bem com o aperto.
O
melhor é começar a não exigir o antibiótico ao médico por dá cá aquela palha, a
não usar os antibióticos por iniciativa própria, a apertar com a agro-pecuária
para acabar com essa coisa de dar antibióticos ao bichos saudáveis, e por aí
fora. Apertemos aí que apertamos bem.
...
Sem comentários:
Enviar um comentário