Os Kuuk Thaayorre, aborígenes de Pormpuraaw, no Norte da Austrália, como acontece com outros povos de que já aqui falámos, não têm palavras para designar esquerda, direita, frente ou trás e não usam esses conceitos, nem na linguagem, nem para se orientarem no espaço. Fazem-no usando os pontos cardeais, de tal modo que Sul para eles é sempre Sul, enquanto para outros povos uma vez é esquerda, outra direita, outra frente, outra trás. Dizem “tens uma aranha no Norte da cara” e não no lado esquerdo da cara. Complicado? Para eles não e diga-se em aparte que se orientam como pombos-correios. Mas falo nisto por outra razão. É que, se lhes derem um conjunto de cartas, por exemplo com fotografias duma pessoa em várias idades, para as orientar cronologicamente no espaço, se estiverem virados para Sul, põem-nas da esquerda para a direita; se estiverem voltados para Norte, colocam-nas da direita para a esquerda; mas se estiverem voltados para Leste, colocam-nas de longe deles para perto e ao contrário se estiverem virados para Oeste. Isto é, sempre de Leste para Oeste.
As pessoas de línguas europeias fazem o mesmo exercício da esquerda para a direita, enquanto os israelitas fazem ao contrário, da direita para a esquerda.
Também a concepção do tempo varia entre os povos. Nós pensamos no tempo que vem em termos de “frente” e no passado em termos de “trás”. Para as pessoas que falam mandarim, o tempo futuro é “para baixo” e o passado é “para cima”. E, para a língua inglesa, o nosso pouco tempo é “tempo curto” (short) e o muito tempo é “tempo comprido” (long).
Serve esta longa conversa para dizer que a língua não é mera ferramenta para exprimir o pensamento – ela molda o pensamento. E tal pensamento é mais rico ou menos rico, conforme a língua que usa. Talvez se possa afirmar que com ela pensamos. Por isso, devemos estimá-la e preservá-la, sem lhe dar encontrões, seja falada ou escrita. É perigoso mexer numa coisa susceptível de alterar a nossa cabeça. Essa é uma das razões porque o Acordo Ortográfico é um aborto ortográfico.
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