No dia 14 de Abril de 1912, o navio “Titanic”, em viagem transatlântica, viu-se subitamente confrontado com um enorme iceberg; tentou desviar-se, raspou no gelo às 11H40, e fez enorme rombo no casco. O contacto foi suave. Um passageiro dizia mais tarde que, se tivesse um copo cheio na mão, não teria derramado uma gota. Contudo, 2 horas e 40 minutos depois, às 2H20 do dia 15, o paquete afundou-se, arrastando consigo para a morte mais de 1.500 almas.
Não há muito mais a dizer sobre a tragédia – está quase tudo dito. Um historiador americano afirmava com exagero que Jesus Cristo, a Guerra Civil Americana e o “Titanic” eram os três temas sobre que mais coisas haviam sido escritas. A Guerra Civil e o “Titanic” não seriam tal, mas o último não deve andar longe dos top ten, se lá não está. Isto para não referir o cinema e a televisão: apenas um mês após o afundamento, já era exibido o filme chamado “Saved from the Titanic”
Porquê tanto interesse à volta do caso, em contraste com outros do mesmo tipo: a explosão do “Hindenberg”, ou o torpedeamento do paquete “Lusitania” por um submarino alemão três anos mais tarde, por exemplo, caíram no esquecimento colectivo. Muita gente nem saberá que ocorreram. Há teorias sobre a matéria que valem o que valem as teorias não demonstráveis.
A primeira grande razão evocada é o golpe que a tragédia constituiu para a confiança ilimitada, a roçar o irracional, na superioridade da tecnologia moderna: a começar pelo sobrenome popular do navio - “The Unsinkable” - seguido pela imprudência de viajar àquela velocidade num local onde se sabia existirem icebergs à deriva. Um evento para esfriar a basófia humana, mesmo naquilo que não tem nada a ver com navios, icebergs, afundamentos, e por aí fora. O navio irmão “Britannic” estava destinado a chamar-se “Gigantic” mas o fiasco “Titanic” levou os armadores a reconsiderar – a baixar a bola diria eu.
Por outro lado, entre o choque com o iceberg e o afundamento, decorreu tempo bastante para se desenrolarem dramas capazes de alimentar um mito, ao contrário do sucedido com o “Hindenberg” e o “Lusitania”, em que tudo se consumou num pequeno hiato.
Outra razão, é o que o episódio “Titanic” pôs a nu sobre matérias do foro da Sociologia e da Ética: o modo como foram tratados os passageiros da primeira classe em relação aos das outras foi repugnante: a percentagem de homens da primeira classe que se salvaram é idêntica à das crianças da terceira; e fico por aqui para ser sintético.
Mas há relatos de grandeza e superioridade de alma. Benjamin Guggenheim, milionário e cavalheiro, foi vestir a casaca e pôr um laço branco “para se afundar como um gentleman”. E a Senhora Isidor Strauss que se recusou a embarcar num salva-vidas, permanecendo ao lado do marido, e que alguém ouviu dizer: “onde tu fores, eu também vou” – e foi para o fundo do mar com Mister Strauss.
E ainda cenas patéticas como a do homem surpreendido num salva-vidas vestido de mulher, e a do empresário britânico, salvo numa lancha, que quando vê o navio a afundar-se, diz para a secretária: lá vai o teu bonito vestido de noite!
Há situações em que, em curto tempo, se descobre a verdadeira natureza humana. Em boa verdade, ainda persiste muito do Australopiteco no cidadão moderno.
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(A imagem em cima à direita, segundo a BBC, terá sido a última fotografia tirada ao navio do exterior)
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