terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

É O BAÇO UM ÓRGÃO MELANCÓLICO ?

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A cabeça tem dias. Uns melhores, outros piores. Faz parte da natureza da massa encefálica ser assim. Há dias, como dizia Eça, de spleen e dias de agitação quase maníaca; e o humor varia entre o spleen e a mania com o calendário. Hoje é dia de António Vieira para mim. Não sei explicar porquê, mas apetece-me ler Vieira. Sem querer pregar uma seca aos leitores que têm paciência bastante para ler o que lavro, recomendo-lhes que leiam o excerto seguinte do Sermão da Sexagésima, de 1655. É bom.


[...] O sermão há de ter um só assunto e uma só matéria. Por isso Cristo disse que o lavrador do Evangelho não semeara muitos géneros de sementes, senão uma só: "Exiit qui seminat seminare semen". Semeou uma semente só, e não muitas, porque o sermão há de ter uma só matéria, e não muitas matérias. Se o lavrador semeara primeiro trigo, e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusão verde. Eis aqui o que acontece aos sermões deste género. Como semeiam tanta vanedade, não podem colher coisa certa. Quem semeia misturas, mal pode colher trigo. Se uma nou fizesse um bordo para o Norte, outro para o Sul, outro para Leste, outro para Oeste, como poderia fazer viagem? Por isso nos púlpitos se trabalha tanto e se navega tão pouco. Um assunto vai para um vento, outro assunto vai para outro vento; que se há de colher senão vento? O Baptista convertia muitos em Judeia; mas quantas matérias tomava? [...]
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