Já havia as "Cartas Portuguesas", de Mariana
Alcoforado, as "Cartas de Inglaterra" e a "Correspondência de
Fradique Mendes", do Eça, as cartas de Évora, do Zezito, as cartas de amor, as
cartas de apresentação, as cartas de condução, as cartas de navegação, as
cartas da Maya e por aí fora—um ror de cartas. Agora há as cartas do Ricardo Salgado do BES
mau.
Salgado, depois de guardar de Conrado o prudente
silêncio, resolveu falar e fala muito por via epistolar; quase incontinente.
Na primeira missiva, revelou que antes do desastre se
encontrou com Cavaco, Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque, Durão
Barroso e sabe-se lá quem mais. Agora, em nova carta, com Portas e Moedas.
Provavelmente amanhã escreve que também conversou com Jorge Jesus, Domingos Paciência,
com o "Barbas", com Aleixo Tripas e com o Emplastro.
Salgado, ao contrário do que procura mostrar, está inquieto.
A ida do Zezito para um hotel alentejano tira-lhe o sono e fá-lo ter pesadelos—acorda
de noite a gritar e a pedir as botas e o cachecol do Benfica, sem que em casa
alguém perceba o que se passa. Quando chega a aurora, toma a pena, põe os
óculos de ler na ponta do nariz e lavra epístolas, verdadeiros sprays de trampa
dirigidos em todas as direcções—a esmo, diria. Agarra-se a boias, na enganosa
esperança de que elas o salvarão para não serem arrastadas com ele para Évora,
ou sítio pior.
Salgado é ingénuo: quando, num estertor final, disser que
está inocente, as ditas boias deitam-lhe mais uma pazada de terra em cima,
calcam-na bem com as botas e dizem ao mundo que ele está é mal enterrado.
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