segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

EPÍSTOLAS SALGADAS

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Já havia as "Cartas Portuguesas", de Mariana Alcoforado, as "Cartas de Inglaterra" e a "Correspondência de Fradique Mendes", do Eça, as cartas de Évora, do Zezito, as cartas de amor, as cartas de apresentação, as cartas de condução, as cartas de navegação, as cartas da Maya e por aí fora—um ror de cartas.  Agora há as cartas do Ricardo Salgado do BES mau.    
Salgado, depois de guardar de Conrado o prudente silêncio, resolveu falar e fala muito por via epistolar; quase incontinente.
Na primeira missiva, revelou que antes do desastre se encontrou com Cavaco, Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque, Durão Barroso e sabe-se lá quem mais. Agora, em nova carta, com Portas e Moedas. Provavelmente amanhã escreve que também conversou com Jorge Jesus, Domingos Paciência, com o "Barbas", com Aleixo Tripas e com o Emplastro.
Salgado, ao contrário do que procura mostrar, está inquieto. A ida do Zezito para um hotel alentejano tira-lhe o sono e fá-lo ter pesadelos—acorda de noite a gritar e a pedir as botas e o cachecol do Benfica, sem que em casa alguém perceba o que se passa. Quando chega a aurora, toma a pena, põe os óculos de ler na ponta do nariz e lavra epístolas, verdadeiros sprays de trampa dirigidos em todas as direcções—a esmo, diria. Agarra-se a boias, na enganosa esperança de que elas o salvarão para não serem arrastadas com ele para Évora, ou sítio pior.
Salgado é ingénuo: quando, num estertor final, disser que está inocente, as ditas boias deitam-lhe mais uma pazada de terra em cima, calcam-na bem com as botas e dizem ao mundo que ele está é mal enterrado.
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