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Quem lê a minha prosa pensará que me faço passar por conhecedor da língua inglesa. Antes de avançar para o que quero dizer, esclareço que apenas "dou uns toques" na língua de Shakespeare e que na conversa do vate nem meto dente. Aliás pedir-me para ler Shakespeare é como pedir a um inglês reformado residente em Cascais para ler a "Chronica de D. Manoel" de Damião de Goes.
Falo nisto porque tenho dito que considero a língua inglesa o melhor exemplo de meio de comunicação para a expressão de ideias. Naturalmente, é esta opinião a de quem entende sofrivelmente apenas mais duas ou três, todas latinas, embora o sucesso internacional da língua inglesa corrobore o que digo.
Contudo, o inglês tem um "calcanhar de Aquiles": a ortografia. Há palavras que nem os próprios ingleses letrados sabem como ler se não as conhecem, sobretudo toponímicos mas não só, sendo o inverso também verdadeiro—conhecem a palavra e não a sabem escrever. Soube hoje que há 205 maneiras de escrever em inglês 44 sons. Por exemplo, "eight" (oito) e "ate" (comi, comeste, comeram, etc.) soam exactamente da mesma maneira.
Por outro lado, a mesma ortografia lê-se diferentemente em palavras diversas, como cough (tosse), que se lê "cófe"; "enough" (bastante), que se lê "inafe"; through (através), que se lê mais ou menos "dru" e por aí fora—uma trapalhada!
Masha Bell, vice-presidente da Sociedade Inglesa de Ortografia chegou à conclusão que, das 7.000 palavras mais usadas em inglês, 2.828 têm ortografia irregular, 1.391 têm ortografia imprevisível, isto é, não se espera aquela grafia, e 4.219 exigem memorização da ortografia, caso contrário acontece não se saber como se escrevem, mesmo sendo conhecidas.
O mais curioso é que o problema tem razões históricas, por vezes caricatas. Por exemplo, os primeiros textos impressos em inglês no Século XV, foram-no por tipógrafos belgas, responsáveis por erros que ficaram para a posteridade: é o caso de palavras como busy, que se escrevia como se lê agora (bisy), e de friend (frend). No segundo exemplo a situação é adicionalmente anedótica, como em muitos outros: a impressão era paga à linha e os tipógrafos metiam letras a mais para "fazer render o peixe".
No Século seguinte, o problema agravou-se porque a impressão, sobretudo de bíblias, estendeu-se a outros países da Europa e as asneiras aumentaram.
Há um série de razões para o actual exoterismo da ortografia inglesa que é curioso conhecer e não cabem num pequeno post de blog. Pode ler aqui o artigo completo sobre o tema, da americana Luba Vangelova, publicado no passado dia 9, no "The Atlantic".
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