Era o dia 1 de Novembro de 2014
e eu estava a ver livros na "Barnes and Noble", na 5ª Avenida, quando a minha atenção caiu numa colecção muito
bem encadernada, a chamada Leatherbound
Classic series. Um empregado aproximou-se e informou-me que aqueles livros
eram óptimos para decorar estantes. Desde então, tenho-me lembrado muitas vezes
que, como símbolos de refinamento cultural, os livros realmente contam, mesmo
na era do
digital. Por isso, as entrevistas para a TV são frequentemente feitas
em frente de estantes cheias de livros, de preferência tendo o entrevistado um
deles na mão.
Começa assim um artigo de Frank Furedi — professor de Sociologia na Universidade de Kent, Canterbury, autor de 17 livros — no AEON Magazine.
E continua como segue, resumidamente.
Desde o aparecimento da escrita
cuneiforme na Mesopotâmia, cerca de 3.500 anos AC, e da hieroglífica no Egipto,
3.150 anos AC, que a leitura de textos
escritos goza de grande prestígio cultural. No tempo dos romanos, os livros eram
trazidos do Céu para a Terra, onde constituíam bens de luxo de ricos e poderosos. Já Séneca,
que abominava este fetiche, dizia que
muitos, sem qualquer grau de escolaridade, tinham os livros apenas para decorar
a sala de jantar. A hostilidade de Séneca vinha, provavelmente, da prática
corrente — mania — na época de ler os livros em público.
De acordo com o satírico
Martial, nem as instalações sanitárias escapavam à moda: escreveu ele um belo
dia, o que não traduzo para não quebrar a rima:
You read to me as I stand, you
read to me as I sit,
You read to me as I run, you read to me as I shit.
I flee to the baths; you boom in my ear.
I head for the pool, you won’t let me swim.
I hurry to dinner, you stop me in my tracks.
I arrive at the meal, your words make me gag.
.
You read to me as I run, you read to me as I shit.
I flee to the baths; you boom in my ear.
I head for the pool, you won’t let me swim.
I hurry to dinner, you stop me in my tracks.
I arrive at the meal, your words make me gag.
.
O teólogo humanista Sebastian Brant captou
a mensagem de Martial e, no livro "A Nave
dos Loucos" (1494), em que retrata 112 tipos de exemplares, na voz do
primeiro que entrou a bordo —
um "Louco por Livros" —
pôs as seguintes palavras, que também não traduzo pela razão já referida:
.
If on this ship I’m number oneFor special reasons that was done,
Yes, I’m the first one here you see
Because I like my library.
Of splendid books I own no end,
But few that I can comprehend;
I cherish books of various ages
And keep the flies from off the pages.
Where art and science be professed
I say: At home I’m happiest,
I’m never better satisfied
Than when my books are by my side
.
A sátira de Brant tornou-se viral, como agora se diz, virou bestseller e foi traduzida do alemão para latim, francês e inglês. Mas os "book lovers" não desarmaram e a leitura manteve a imagem de meio de auto-descoberta, de desenvolvimento, de visão espiritual da geringonça universal.
No Século XX, a leitura foi elevada à categoria de forma de arte, com os intelectuais a traçarem uma linha na areia — de um lado, os chamados pretendentes a leitores; do outro, a elite. Até a romancista Virginia Woolf, no ensaio "O Leitor Comum" (1925), descreve o leitor médio como alguém "pior educado" que um crítico, que a natureza não "dotou generosamente".
Como os leitores públicos de Roma, de que falava Martial, os actuais e ávidos leitores de mensagens nas redes sociais, e não só, também estão em toda a parte (como a "Belarte" — digo eu, não Frank Furedi). E, embora em ambos casos haja o mesmo objectivo, que é o de "construir uma imagem", essa imagem é diferente. O jovem sentado no bar a consultar afanosamente o seu smartphone não está a afirmar status de refinamento intelectual. Está a exibir "conexão" social — de pessoa "em rede" non stop — e, muito mais importante, que é alvo de solicitação permanente!
Está muito bem observada esta! — penso eu de que.
Leia aqui o artigo original porque vale a pena o esforço.
.
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